Processo n.º 8327/23.7T8STB-A.E1
*
Sumário:
1 – A sentença declaratória
de insolvência pode ser impugnada por dois meios processuais, alternativa ou
cumulativamente: recurso e embargos. O recurso é o meio próprio quando se pretenda
a revogação da sentença sem se pôr em causa os factos em que esta se baseou. Já
serão os embargos o meio próprio para impugnar a sentença quando, tendo em
vista a revogação desta, sejam alegados factos ou requeridos meios de prova que
não tenham sido tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os
fundamentos da declaração de insolvência.
2 – Na sentença de embargos,
podem ser julgados provados factos novos e factos que foram julgados não
provados na sentença declaratória da insolvência. Podem, igualmente, ser
julgados não provados factos que foram julgados provados nesta última.
*
Requerentes da
insolvência/recorridas:
AAA;
BBB.
Insolvente:
CCC.
Embargantes/recorrentes:
DDD;
EEE.
Pedido:
Revogação da sentença que declarou a
insolvência de CCC.
Decisão recorrida:
«Compulsados
os autos constatamos que se mostra já proferido acórdão pelo Tribunal da
Relação de Évora (apenso D) que confirmou integralmente a decisão proferida
nesta primeira instância, mantendo a declaração de insolvência e integralmente
a matéria de facto ali considerada provada.
Considerando
o Tribunal que o prosseguimento dos embargos poderia conduzir à violação do
caso julgado determinou a notificação às partes para, querendo, se pronunciarem
quanto à impossibilidade superveniente da lide.
Os
embargantes e insolvente defenderam o prosseguimento dos autos, nos termos
constantes dos requerimentos que antecedem.
Já
as embargadas concluíram pela extinção da presente instância por
impossibilidade superveniente da lide, sob pena de se violar o caso julgado,
nos termos e com os fundamentos plasmados no requerimento antecedente e cujos
termos aqui se dão integralmente por reproduzidos.
Apreciando.
Os
presentes embargos visam a reapreciação da matéria de facto, designadamente, no
excerto que respeita à existência de diversas ações e execuções pendentes
contra o requerido e respetivos valores, argumentando, que as mesmas inexistem
e não deviam ter-se como provadas.
Sucede
que, tal matéria consta provada em sede de sentença e tal sentença, apesar de
objeto de recurso quanto à decisão da matéria de facto foi integralmente
mantida, ou seja, os factos provados não foram objeto de alteração e mostram-se
assentes a título definitivo.
Assim,
consideramos que, mostrando-se transitado o Acórdão em causa, se poderá
verificar a impossibilidade superveniente da presente lide, sob pena de ferir o
caso julgado já produzido.
Com
efeito, a matéria de facto que constitui fundamento dos presentes embargos foi
já apreciada e decidida a título definitivo pelo Tribunal da Relação, não
podendo este tribunal, em sede de embargos, considerar, quanto à mesma matéria,
provados factos referentes às ações e execuções pendentes diversos dos ali
considerados assentes.
Na
verdade, a exceção de caso julgado exige a identidade dos sujeitos, do pedido e
da causa de pedir.
Se
é indiscutível que a excepção do caso julgado exige a identidade do pedido, da
causa de pedir e de sujeitos – art 581º CPC, por sua vez, a autoridade do caso
julgado tem-se entendido de forma dominante no sentido de não se impor aquela
tríplice identidade, embora a não identidade total das partes ofereça reservas
e a não identidade dos objectos postule entre eles necessárias relações de
conexão.
No
presente caso, estamos perante um apenso em que os embargantes serão credores
do insolvente e nessa medida partes interessadas e participantes nos autos
principais.
Cumpre
ponderar o que se decidiu no Douto Acórdão do STJ de 12/01/2021, proferido nos
autos de processo n.º 2030/11.8TBFLG-C.P1.S1, onde se decidiu:
“I.
A função positiva do caso julgado, designada por autoridade do caso julgado,
tem a ver com a existência de prejudicialidade entre objectos processuais,
tendo como limites os que decorrem dos próprios termos da decisão, como se
depreende dos art.ºs 619.º e 621.º, ambos do CPC, e implica o acatamento da
decisão proferida em acção anterior cujo objecto se inscreve, como pressuposto
indiscutível, no objecto de uma acção posterior, obstando a que a relação
jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.
II.
A autoridade do caso julgado não requer a tríplice identidade de sujeitos, de
pedidos e de causas de pedir, podendo estender-se a outros casos, designadamente
quanto a questões que sejam o antecedente lógico necessário da parte
dispositiva do julgado.
III.
Relativamente à eficácia subjectiva do caso julgado, embora a regra geral seja
a de que ele só produz efeitos em relação às partes, também se estende àqueles
que, não sendo partes, se encontrem legalmente abrangidos por via da sua
eficácia directa ou reflexa, beneficiando do efeito favorável, como sucede,
designadamente, nas situações de solidariedade entre devedores, de
solidariedade entre credores e de pluralidade de credores de prestação
indivisível, respetivamente nos termos dos artigos 522.º, 2.ª parte, 531.º, 2.ª
parte, e 538.º, n.º 2, do CC.
IV.
O caso julgado material formado com o trânsito em julgado de decisão
anteriormente proferida numa acção tem eficácia relativamente à embargante que
não teve nela intervenção quando se discute nos embargos de executado as mesmas
questões já discutidas entre a exequente e o executado, por alegadas dívidas
comuns e solidárias dos executados e embargantes, casados entre si.”
Com
efeito a prova da existência de ações e execuções pendentes que resultou da
falta de impugnação do requerido e do incumprimento do seu dever de provar a
sua solvabilidade, que se mostra assente nos autos principais por via da decisão
do Douto Tribunal da Relação, transitada em julgado, tem que produzir reflexos
nos embargos à insolvência deduzidos pelos credores, dado que o objeto destes
consiste justamente em afastar aquela matéria de facto.
A
apreciação e decisão dos embargos poderia conduzir à consideração de factos
provados contrários aos constantes da decisão proferida nos autos principais, o
que constituiria uma violação flagrante do caso julgado, que indubitavelmente
tem efeitos reflexos da esfera jurídica dos credores.
Em
face do exposto, e atento o efeito do caso julgado material da decisão
proferida nos autos principais verifica-se a impossibilidade superveniente da
presente lide, o que constitui uma exceção dilatória e consequentemente impõe a
extinção da instância, nos termos do art. 277º al. e); 278º, n.º 1, al. e);
577º, al. i); 578º, do CPC.
Nesta
conformidade, e em face do efeito externo do caso julgado, julga-se procedente
a exceção de caso julgado e consequentemente, extingue-se a presente instância
por impossibilidade superveniente da lide, absolvendo-se os embargados (réus)
da instância.
Registe
e notifique.»
Conclusões dos recursos:
A) O recorrente elencou os seus embargos
de insolvência, alegando factos e meios de prova novos que não foram
considerados pelo tribunal e que podem afastar os fundamentos da declaração de insolvência
- cfr. n.º 2 do artigo 40.º do CIRE.
B) Na verdade, atenta a análise dos
fundamentos da sentença e dos documentos, ou melhor, da falta deles, sustentam
erradamente a situação de insolvência do requerido.
C) Considera o recorrente que apresentou
factos e documentos que não foram relevados e sequer considerados na sentença
objecto dos presentes embargos recorridos, que impunham uma decisão de
improcedência.
D) Pois o tribunal, por sua iniciativa,
sem que alguma das partes o alegasse ou provasse, dá por pendentes processos
que se encontram extintos há anos.
E) E outros que nem dizem sequer
respeito ao insolvente ou sequer demandado, conforme documentos ora juntos.
F) Não foram juntos pelas requerentes
uma única certidão desses famigerados processos que possam imputar ao
insolvente o incumprimento de responsabilidades financeiras, à excepção das
responsabilidades com o seu credito hipotecário e com o credor DDD que se
encontra sub-rogado dos créditos inicialmente detidos pelo Banco 1.
G) Pior!
H) Parte desses processos e dívidas
então existentes e mencionadas pelas requerentes foram liquidadas com o produto
das vendas das fracções autónomas às requerentes.
I) A embargante EEE esteve presente no
pagamento aos credores, os quais se encontram presentes na escritura pública de
compra e venda das aludidas fracções autónomas adquiridas pelas requerentes e
arrendadas à sociedade Andreia Policlínica.
J) O recorrente junta documentos que
provam que é ele o credor no lugar do Banco 1, ao contrário do que consta da
douta sentença, por via da aquisição posterior desse crédito, do qual se
encontra sub-rogado, conforme a prova junta aos autos.
K) Salvo o devido respeito, que é muito,
o tribunal, sem qualquer certidão judicial, dá por provado que se encontram «pendentes» os processos elencados pelas
requerentes.
L) Não obstante o tribunal os créditos
considerar «pendentes» (??), acaba
por os reconhecer como devidos, no valor total de € 1.559,705,00.
M) Ora, ou os considerava «pendentes» (apesar de não ter qualquer
informação judicial nesse sentido), e não os podia reconhecer até decisão
judicial com trânsito sobre o respectivo mérito.
N) Ou não os poderia considerar «pendentes», uma vez que «reconhece» que o insolvente é devedor de
tais montantes.
O) Substituindo-se aos respectivos
senhores juízes titulares dos processos «pendentes»,
uma vez que decreta a insolvência com base na insuficiência de património que
assegure a sua liquidação.
P) Estes processos encontram-se extintos
e as quantias foram liquidadas na própria escritura publica com o produto da
venda das aludidas fracções autónomas, celebrada com as requerentes.
Q) Na verdade, foram expostos pelo recorrente
factos novos e apresentados meios de prova que colocam em crise a sentença
decretou a insolvência de CCC.
R) Como decorre do disposto nos artigos
40.º e 42.º do CIRE, a impugnação da sentença declaratória da insolvência pode
ser feita através de embargos e/ou de recurso.
S) No caso da dedução de embargos, cf.
n.º 2 do citado artigo 40.º, os mesmos baseiam-se na alegação de factos ou se
requeiram meios de prova que não tenham sido tidos em conta pelo tribunal e que
possam afastar os fundamentos da declaração de insolvência.
T) Exactamente o que o recorrente
elencou na dedução dos seus embargos.
U) Os fundamentos para a dedução de
embargos e de recurso à sentença declaratória de insolvência são: os embargos
destinam-se à alegação de factos novos ou para requerer novos meios de prova,
ao passo que o recurso se destina à discussão de razões de direito, com referência
aos elementos já apurados e considerados na sentença.
V) Exactamente o que o recorrente
elencou na dedução dos seus embargos, razão por que improcede, salvo o devido
respeito, os fundamentos da sentença proferida.
W) Como referem Carvalho Fernandes e
João Labareda, in CIRE Anotado, 3.ª Edição, a pág. 279 «os embargos serão necessariamente fundados em razões de facto – novos
factos alegados ou novas provas requeridas (…). Em contrapartida, o recurso
deve basear-se em razões de direito – inadequação da decisão à factualidade
apurada por má aplicação da lei …».
X) Acrescentando, a pág. 283, que a
petição de embargos desencadeia a reapreciação da declaração de insolvência,
que será feita pelo tribunal que a proferiu, baseada sempre «em razões de facto que afectem a sua
regularidade ou real fundamentação».
Y) Estamos perante um erro notório na
apreciação da prova quando se dão factos como provados que, face às regras da
experiência comum e a lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado ou são
contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido
arguidos de falsidade.
Z) Duvidas não subsistem ao recorrente
que estamos perante um erro de interpretação dos factos e do direito e a sua
aplicação, o que constitui erro de julgamento, pelo que se impõe que o Tribunal
da Relação de Évora altere a decisão proferida sobre a matéria de facto e de
direito, revogando a sentença, ordenando a realização da audiência de discussão
dos embargos de insolvência.
Questão a decidir:
Se o trânsito em julgado da decisão
desta Relação que confirmou a sentença declaratória de insolvência gera a impossibilidade
superveniente da lide nos presentes embargos.
*
Em face do teor das
alegações de recurso, nas quais os recorrentes se perdem em considerandos
acerca do mérito dos embargos, importa começar por lembrar que não é este o
objecto da decisão recorrida. Esta não julgou os embargos improcedentes, como a
leitura das alegações de recurso poderia levar a supor. Em vez disso, declarou
extinta a instância com fundamento numa suposta impossibilidade superveniente
da lide. É unicamente a existência de fundamento legal para tal decisão de extinção
da instância sem julgamento do objecto dos embargos que se encontra em
discussão nos presentes recursos.
Os fundamentos da decisão
recorrida são, em síntese, os seguintes:
- Os presentes embargos visam a
reapreciação de factos julgados provados na sentença que declarou a
insolvência;
- Essa sentença foi objecto de recurso e
confirmada pela 2.ª instância, encontrando-se a decisão desta transitada em
julgado;
- Ou seja, a matéria de facto que
constitui fundamento dos presentes embargos foi apreciada e decidida a título
definitivo pela 2.ª instância;
- Consequentemente, ficou vedado à 1.ª
instância, em sede de embargos, julgar provados factos diversos daqueles que,
por via do trânsito em julgado da decisão da 2.ª instância, ficaram
definitivamente fixados;
- Pelo que se verifica a impossibilidade
superveniente da lide;
- Com efeito, a apreciação e decisão dos
embargos poderia conduzir à consideração de factos provados contrários aos
constantes da decisão proferida nos autos principais, o que constituiria uma
violação flagrante do caso julgado.
A esta fundamentação, os
recorrentes contrapõem, na parte relevante (atendendo ao que referimos no 1.º
parágrafo da presente fundamentação) das suas alegações, que, nos embargos,
alegaram factos e apresentaram meios de prova novos, que colocam em crise a
sentença declaratória da insolvência, pelo que, nos termos dos artigos 40.º e
42.º do CIRE, tais embargos são admissíveis e podem afastar os fundamentos da
declaração de insolvência.
Analisemos a questão.
O n.º 2 do artigo 40.º do
CIRE (diploma ao qual pertencem as normas legais doravante referenciadas sem
menção da sua origem) estabelece, na parte que nos interessa, que os embargos
são admissíveis desde que o embargante alegue factos ou requeira meios de prova
que não tenham sido tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os
fundamentos da declaração de insolvência. O n.º 1 do artigo 42.º estabelece que
as pessoas referidas no n.º 1 do artigo 40.º podem, alternativamente à dedução
dos embargos ou cumulativamente com estes, interpor recurso da sentença de
declaração de insolvência, quando entendam que, face aos elementos apurados,
esta não devia ter sido proferida.
Do confronto entre estas
duas normas, resulta que a sentença declaratória de insolvência pode ser impugnada
por dois meios processuais, alternativa ou cumulativamente: recurso e embargos.
O recurso é o meio próprio quando se pretenda a revogação da sentença sem se pôr
em causa os factos em que esta se baseou. Já serão os embargos o meio próprio para
impugnar a sentença quando, tendo em vista a revogação desta, sejam alegados
factos ou requeridos meios de prova que não tenham sido tidos em conta pelo
tribunal e que possam afastar os fundamentos da declaração de insolvência.
Ensinam,
a este propósito, LUÍS CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA:
«A petição de embargos desencadeia a
reapreciação da razoabilidade da declaração de insolvência que será feita pelo
tribunal que a proferiu.
Em razão do que se dispõe no n.º 2 do art.
40.º, ela deve sempre ser baseada em razões de facto que afectem a sua
regularidade ou real fundamentação.
Tratar-se-á normalmente de avaliar novos
factos trazidos ao processo pelo embargante. Mas poderá também ser o caso de
deverem ser levados em conta factos que os autos documentam e que não foram
considerados na sentença embargada, ou, como a lei declaradamente afirma, de
serem produzidas provas que não foram tidas em conta pelo tribunal e que,
precisamente por permitirem inquinar factos dados como provados ou apurar
outros factos, sejam susceptíveis de “afastar os fundamentos da declaração de
insolvência”.
Se, pelo contrário, a pretensão do
oponente se funda na incorrecta aplicação do Direito aos factos – e só a eles –
ponderados na sentença, seja por sua inadequada valoração ou por subsunção a
norma indevida, então a via de ataque não é já a petição de embargos mas antes
o recurso (ex vi do art. 42.º, n.º 1).»[1]
Portanto, ao prever a
possibilidade de impugnação da sentença declaratória de insolvência por meio de
embargos, nos termos descritos, a lei admite que, nestes, sejam julgados
provados factos diversos daqueles que o foram naquela sentença. Esse resultado
probatório diverso do da sentença impugnada poderá determinar a revogação desta
pelo próprio tribunal que a proferiu, sem que daí resulte qualquer violação,
nem do princípio do esgotamento do poder jurisdicional (artigo 613.º, n.º 1, do
CPC), nem do caso julgado (artigo 619.º, n.º 1, do CPC).
Insistimos, é o próprio CIRE
que prevê a possibilidade de alegação e prova de factos diversos daqueles que
foram julgados provados na sentença impugnada. Por isso restringe a
legitimidade para a dedução de embargos nos termos estabelecidos no n.º 1 do artigo
40.º. Nomeadamente, o devedor que teve oportunidade para deduzir oposição à
insolvência contra si requerida, por ter sido pessoalmente citado, carece de
legitimidade para a dedução de embargos, nos termos da al. a). Só se justifica
admitir a dedução de embargos, com a latitude descrita, ou ao devedor em
situação de revelia absoluta que não tenha sido pessoalmente citado, ou aos
terceiros previstos nas als. b) a f).
Decorre do exposto que a
tese do tribunal a quo é legalmente
insustentável.
Acrescente-se que a decisão
recorrida não se coaduna com o próprio processado anterior.
Os
embargos foram admitidos e correram termos até à descida do recurso da sentença
declaratória da insolvência ao tribunal a
quo. Só então este declarou a instância extinta por impossibilidade
superveniente da lide, a pretexto de só assim se evitar a possibilidade de prolação
de sentença que, ao julgar provados factos diversos daqueles que, por via do
trânsito em julgado da decisão da 2.ª instância, teriam ficado definitivamente
fixados, violasse o caso julgado decorrente desse trânsito.
Isto
não faz sentido. Se entendia que a eventual prolação, em sede de embargos, de
sentença que, ao julgar factos diversos daqueles que, por via do trânsito em
julgado da sentença declaratória da insolvência, teriam ficado definitivamente
fixados, violaria o caso julgado decorrente desse trânsito, a atitude coerente
(embora, ainda assim, errada, por violação da lei) do tribunal a quo teria sido a de julgar os embargos
inadmissíveis logo no despacho liminar (artigo 41.º, n.º 1). Sendo a alteração
da matéria de facto julgada provada na sentença que decretou a insolvência
aquilo que os embargantes declaradamente pretendiam, era, logo perante as duas
petições iniciais e a ser correcto o entendimento do tribunal a quo, evidente a inviabilidade dos
embargos. Para quê deixar estes prosseguirem até ao trânsito em julgado da
decisão da 2.ª instância?
Mais,
imaginemos que a decisão da 2.ª instância só transitava em julgado após a
prolação da sentença proferida nos embargos. Que acontecia a esta? Na lógica do
entendimento perfilhado pelo tribunal a
quo, teria de ceder perante o decidido pela 2.ª instância. Sendo assim,
novamente se pergunta: Que sentido teria feito deixar os embargos prosseguirem
até ao trânsito em julgado da decisão da 2.ª instância? Se a sentença a
proferir em sede de embargos não podia contrariar o decidido na sentença
declaratória da insolvência sobre a matéria de facto, que sentido teriam tido a
admissão liminar dos embargos e o seu ulterior processamento?
Concluindo,
inscreve-se na própria natureza dos embargos, tal como estes se encontram
configurados no CIRE, a possibilidade de a matéria de facto neles julgada
provada divergir daquela que o foi na sentença declaratória da insolvência. É
precisamente para isso que os embargos servem. Na sentença de embargos, podem
ser julgados provados factos novos e factos que foram julgados não provados na
sentença declaratória da insolvência. Podem, igualmente, ser julgados não
provados factos que foram julgados provados nesta última.
Daí
que a decisão recorrida não possa subsistir, devendo ser revogada e substituída
por outra que determine o prosseguimento dos embargos.
*
Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto,
julgar os recursos procedentes, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se
o prosseguimento dos embargos.
Custas a cargo das recorridas.
Notifique.
*
Évora, 30.01.2025
Vítor Sequinho dos Santos (relator por vencimento)
José Saruga Martins (1.º adjunto – voto de vencido)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário (2.ª adjunta)
Votei
vencido por entender, tal como se afirma na decisão em crise e objecto de
recurso que “… a prova da existência de
ações e execuções pendentes que resultou da falta de impugnação do requerido e
do incumprimento do seu dever de provar a sua solvabilidade, que se mostra
assente nos autos principais por via da decisão, transitada em julgado, tem que
produzir reflexos nos embargos à insolvência deduzidos pelos credores, dado que
o objeto destes consiste justamente em afastar aquela matéria de facto.
A
apreciação e decisão dos embargos poderia conduzir à consideração de factos
provados contrários aos constantes da decisão proferida nos autos principais, o
que constituiria uma violação flagrante do caso julgado, que indubitavelmente
tem efeitos reflexos da esfera jurídica dos credores …”.
Acresce
que “… a eficácia do caso julgado
material formado com o trânsito em julgado de decisão anteriormente proferida
numa acção tem eficácia relativamente à embargante que não teve nela
intervenção quando se discute nos embargos de executado as mesmas questões já
discutidas entre a exequente e o executado, por alegadas dívidas comuns e
solidárias dos executados e embargantes, casados entre si …”, (in Acórdão
do STJ de 12. 01. 2021 processo nº 2030/11.8TBFLG-C.P1.S1 in www.dgsi.pt).
(José Saruga Martins)
[1] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, volume
I, 1.ª edição, p. 212, anotação 4 ao artigo 41.º.