Processo n.º 1812/21.7T8STR-H.E1 – Insolvência.
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Sumário:
1 – O esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto a
determinada matéria ocorre com a prolação da decisão e não com o trânsito em
julgado desta.
2 – A mera
declaração de insolvência não determina a transferência dos direitos – mormente
do direito de propriedade – do insolvente sobre os bens que constituem a massa
insolvente. O insolvente continua a ser o titular desses direitos até à sua
alienação.
3 – Não viola
o princípio do esgotamento do poder jurisdicional o juiz que, em processo de
insolvência, posteriormente à prolação de despacho a determinar o levantamento
da apreensão do alvará de uma farmácia para que o mesmo, na sequência do seu
arresto preventivo decretado num processo criminal, passasse a estar sob a
protecção, conservação e gestão do Gabinete de Administração de Bens, nos
termos do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 45/2011, de 24.06, profere novo
despacho, ordenando, ao administrador da insolvência, que obtenha, no prazo de
dez dias, autorização daquele gabinete para que a farmácia continue em
funcionamento.
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Insolvente/recorrente:
Farmácia (…), Lda..
Despacho recorrido:
«Requerimentos de 01/09, 04/09, 15/09, 20/09:
Por decisão já transitada em julgado proferida no âmbito do
Proc. n.º 685/15.3TELSB-D, a correr termos no Juízo Central Criminal de
Santarém – Juiz 4, foi determinado, para além do mais, o arresto preventivo do
Alvará da Farmácia (...), Lda., datado de 28.3.2003.
Na sequência do decretamento de tal arresto foi determinado nos
presentes autos o levantamento da apreensão do referido alvará por não se poder
prosseguir com a sua liquidação.
Consta ainda da decisão que determinou o arresto preventivo que
foi determinada a protecção, conservação e gestão dos bens arrestados ao
Gabinete de Administração de Bens, nos termos do disposto nos arts. 10.º/1 e 3,
al. a) e 16.º, da Lei n.º 45/2011, de 24-06.
Resulta do art.10.º, n.º1 e 3, alínea a) do citado diploma que a
administração dos bens apreendidos é assegurada pelo GAB, a quem compete
proteger, conservar e gerir os bens à guarda do Estado.
Assim sendo, uma vez que a administração do alvará passou a ser
exercida pelo GAB, para que a farmácia possa continuar a prosseguir a sua
actividade, terá a Sra. AI que obter a respectiva autorização junto daquele
Gabinete, para o que se concede o prazo de 10 dias, e sem a qual terá que ser
determinado o encerramento da actividade.
Notifique, sendo a Sra. AI para juntar aos autos a resposta
daquela entidade.»
Conclusões do
recurso:
- O tribunal a quo, ao ordenar o levantamento da apreensão
do alvará da massa insolvente, e tendo já transitado em julgado tal decisão,
não pode ordenar mais nenhum acto sobre o referido bem – violação ao disposto
no artigo 613.º, n.º 1, do CPC.
- Mais, a Lei n.º 45/2011
não confere a propriedade dos bens ao GAB, apenas confere a administração dos
bens apreendidos.
Questão a
decidir:
- Se o despacho recorrido
violou o princípio do esgotamento do poder jurisdicional.
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O n.º 1 do
artigo 613.º do CPC estabelece que, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado
o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa. Esta regra é aplicável
aos despachos, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo. Consagra-se, assim, o
princípio do esgotamento do poder jurisdicional.
A recorrente
afirma que, através da prolação do despacho recorrido, o tribunal a quo violou este princípio, porquanto
anteriormente decidira, por despacho já transitado em julgado, levantar a
apreensão do alvará. Considera a recorrente que, a partir da prolação deste
último despacho, o tribunal não pode ordenar qualquer outro acto sobre o
alvará.
Argumenta-se, por
outro lado, que, por efeito do levantamento da sua apreensão, «o alvará entrou na esfera da propriedade da
sociedade insolvente, sujeito à apreensão judicial decorrente do respectivo
arresto decretado» no processo criminal.
Esta
argumentação não procede.
Esclareça-se,
em primeiro lugar, que o esgotamento do poder jurisdicional decorrente da
prolação de decisão sobre determinada matéria não depende do trânsito em
julgado desta. Tal esgotamento ocorre com a simples prolação da decisão, como
decorre do n.º 1 do artigo 613.º do CPC. A partir desse momento, o tribunal que
proferiu a decisão não pode proferir outra sobre a mesma matéria, seja em que
sentido for. Portanto, a questão do trânsito em julgado da decisão anterior não
tem qualquer relevo para a decisão do recurso.
A questão da
titularidade do alvará também não releva. Essa titularidade não se alterou,
mantendo-se na recorrente.
A mera
declaração de insolvência não determina a transferência dos direitos – mormente
do direito de propriedade – do insolvente sobre os bens que constituem a massa
insolvente. Nos termos do artigo 81.º, n.º 1, do CIRE, aquela declaração priva
imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes
de administração dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a
competir ao administrador da insolvência. Nos termos do n.º 4 do mesmo artigo,
o administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os
efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência. Não obstante, o
insolvente continua a ser o titular dos bens que constituem a massa insolvente
até que os mesmos sejam alienados[1]. Logo, a
recorrente continuou a ser a titular do alvará.
Por efeito do
levantamento da apreensão decretada nos presentes autos, com vista à execução do
arresto preventivo decretado no processo criminal, o que ocorreu foi a colocação
do alvará sob a administração do Gabinete de Administração de Bens (GAB), nos
termos do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 45/2011, de 24.06. A recorrente
continua a ser a titular do alvará, apenas limitada pelos efeitos, não já da
apreensão decretada nestes autos, mas do arresto decretado no processo
criminal.
Portanto, como
anteriormente afirmámos, a questão da titularidade do alvará é irrelevante para
a análise da questão que temos em mãos. Tal titularidade continua a caber à
recorrente e os poderes de administração sobre o alvará continuam a caber a
terceiros. Apenas se alterou o processo judicial à ordem do qual o alvará se
encontra apreendido, o título da apreensão e a entidade a quem cabe a sua
administração.
Analisemos,
finalmente, se, ao proferir o despacho recorrido, o tribunal a quo se pronunciou sobre a mesma
matéria que no despacho que proferira anteriormente.
No primeiro
dos dois despachos em análise, o tribunal a
quo determinou o levantamento da apreensão do alvará. Fê-lo porque, num
processo de natureza criminal, fora decretado o arresto preventivo do alvará. A
partir desse momento, o alvará passou a estar sob a protecção, conservação e
gestão do GAB, nos termos do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 45/2011, de 24.06.
No despacho
recorrido, o tribunal a quo,
considerando que a administração do alvará passara a ser exercida pelo GAB e
tendo em vista possibilitar que a farmácia continuasse em funcionamento,
determinou que a administradora da insolvência obtivesse, no prazo de dez dias,
a necessária autorização daquele gabinete.
Com isso, o
tribunal a quo não tomou uma segunda
decisão sobre o levantamento da apreensão do alvará. Não decretou novamente o
levantamento da apreensão, nem se recusou a proceder a esse levantamento apesar
da prolação da decisão, no processo criminal, de arresto preventivo do alvará.
Aquilo que o tribunal a quo fez foi,
na sequência do levantamento da apreensão decretada neste processo e
precisamente por causa dela, ordenar, à administradora da insolvência, que
solicitasse, ao GAB, enquanto administrador do alvará, autorização para a
manutenção da farmácia em funcionamento.
Ou seja, o
despacho recorrido não versa sobre a mesma matéria do anterior, antes tendo
este último como pressuposto. Se o levantamento da apreensão do alvará à ordem
destes autos não tivesse sido levantada, o despacho recorrido não teria razão
de ser.
Concluímos,
assim, que, ao proferir o despacho recorrido, o tribunal a quo não violou o princípio do esgotamento do poder jurisdicional,
consagrado nos n.ºs 1 e 3 do artigo 613.º do CPC. Consequentemente, o recurso
terá de ser julgado improcedente.
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Dispositivo:
Delibera-se,
pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se o despacho recorrido.
Custas a cargo
da recorrente.
Notifique.
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Évora,
06.06.2024
Vítor Sequinho dos Santos (relator)
(1.ª adjunta)
(2.ª adjunta)
[1] Cfr. os acórdãos da Relação
de Évora de 10.09.2020 (Rui Machado e Moura) e da Relação do Porto de
10.02.2020 (Joaquim Moura).