Processo n.º 3435/22.4T8STR-D.E1
*
Sumário:
1
– Cumpre o seu dever de informação o insolvente que, ao pedido, feito pelo
administrador da insolvência, de esclarecimento sobre os motivos de ter deixado
de ser proprietário de um veículo automóvel uma semana antes da sua
apresentação à insolvência, responde, com verdade, ter vendido o veículo.
2
– Se o administrador da insolvência pretendia que o insolvente especificasse o
preço estipulado no contrato de compra e venda e a identidade do comprador,
devia tê-lo dito expressamente no pedido de informação. Não o tendo feito e
perante a resposta dada a este último pelo insolvente, devia ter efectuado novo
pedido de informação sobre os elementos do contrato de compra e venda que
pretendia conhecer.
3
– A prestação de informação nos termos descritos em 1 não integra o fundamento
de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante consagrado
no artigo 238.º, n.º 1, al. g), do CIRE.
*
O
insolvente, TB, interpôs recurso de apelação do despacho que indeferiu
liminarmente o seu pedido de exoneração do passivo restante, tendo formulado as
seguintes conclusões:
1 – A
exoneração do passivo restante corresponde a um instituto jurídico de excepção,
pois que por via do mesmo se concede ao devedor o benefício de se libertar de
algumas das suas dívidas e de por essa via se reabilitar economicamente,
inteiramente à custa do património dos credores.
2 –
Estando em causa uma pessoa singular não titular de uma empresa, logo não
sujeita ao dever de apresentação à insolvência (art. 18º/2 do CIRE), o pedido
de exoneração do passivo restante só pode ser objecto de indeferimento liminar
com fundamento no art. 238º/1/d do CIRE se estiveram verificados,
cumulativamente, os seguintes requisitos: a) ter o devedor deixado de se
apresentar à insolvência nos seis meses seguintes à verificação da insolvência;
b) ter causado, com o atraso, prejuízo aos credores; c) sabendo ou não podendo
ignorar, sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da
sua situação económica.
3 – O
ónus de alegação e demonstração dos factos integradores de cada dos requisitos
cumulativos enunciados em III) cabe ao administrador da insolvência ou aos
credores, porquanto tendo a natureza de factos impeditivos do direito do
devedor a pedir a exoneração do passivo restante, é sobre eles que recai aquele
ónus.
4 –
Neste sentido acórdão do STJ de 19/6/2012, proferido no processo 1239/11.9TBBRG-E,
acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 8/2/2011, proferido no processo
754/10.6TBOAZE, e de 6/10/2009, proferido no processo 286/09.5TBPRD-C, acórdão
do Tribunal da Relação de Guimarães de 19/6/2012, proferido no processo
1239/11.9TBBRG-E; considerando os casos específicos do sócio e gerente de uma
sociedade por quotas ou de uma sociedade unipessoal por quotas, Luís M.
Martins, Recuperação de Pessoas Singulares, volume I, 2013, p. 110, e acórdão
do Tribunal da Relação de Guimarães de 25/9/2014, proferido no processo 269/13.0TBCMN-C.G1.
Conferir ainda neste sentido – o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 25/11/2011, proferido no processo 1512/10.3TJLSB.L1-A-6, acórdão do Tribunal
da Relação de Évora de 28/5/2015, proferido no processo 528/10.4TBMMN-B.E1,
acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/11/2011, proferido no processo 1241/10.8TBOAZ-B.P1,
acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 8/5/2012, proferido no processo
890/11.1TBTMR-D.C1, acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21/5/2013,
proferido no processo 610/12.3TBGMR-E.G1. A exoneração do passivo restante –
Considerações sobre as causas de indeferimento liminar, Dissertação de Mestrado
em Solicitadoria, 2014, p. 56; Ana Filipa Conceição, Disposições específicas da
Insolvência das pessoas singulares, I Congresso de Direito da Insolvência,
Almedina, 2013, p. 48.
5 – A
mera omissão de não entrega ao fiduciário da parte dos rendimentos objecto de
cessão por banda da devedora não implica de per se uma recusa de concessão de
exoneração do passivo restante. O incumprimento da devedora tem de resultar de
uma concreta actuação dolosa ou gravemente negligente do seu comportamento, prejudicando
por esse facto os credores.
6 – Se
ainda não se pode considerar unânime, é claramente maioritário o entendimento
que defende que os requisitos/pressupostos previstos no art. 238° do CIRE são
impeditivos do direito de aos insolventes ser "concedida a exoneração dos
créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de
insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste" (art.
235° do CIRE), logo necessariamente o ónus da prova pertence aos credores, e
não constitutivos do direito - que alguma doutrina defende como potestativo -
que os insolventes têm à exoneração do passivo restante, logo excluído do seu
ónus de prova.
7 –
Como se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 21.10.2010,
relativo ao processo n° 3850/09.9TBVLG-D.P1.S1: "É que e conforme resulta
do disposto no n°3 do artigo 236° do Código da Insolvência e da Recuperação de
Empresas, o devedor pessoa singular tem apenas, no requerimento de apresentação
à insolvência em que formula o pedido de exoneração do passivo restante, de
"expressamente declarar" que "preenche os requisitos" para
que o pedido não seja indeferido liminarmente.
8 – O
devedor não tem que apresentar prova dos requisitos. Até porque, bem vistas as
coisas, as diversas alíneas do n°1 do artigo 238° do Código da Insolvência e da
Recuperação de Empresas estabelecem os fundamentos que determinam o
indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante. Não
constituem factos constitutivos do direito do devedor de pedir esta exoneração.
Antes e pelo contrário, constituem factos impeditivos desse direito. Nesta
medida, compete aos credores e ao administrador da insolvência a sua prova –
cfr. n°2 do artigo 342° do Código Civil.
9 –
Podemos concluir, com a certeza possível, que o insolvente cumpriu com os
requisitos legais, isto é, requereu a exoneração do passivo restante respeitando
as regras 4 legais, maxime os arts. 236° e 238° do CIRE.
10 –
Cumprirá saber, se, a final, tais credores, conseguiram fazer essa prova e da
qual resulta a não concessão do benefício da exoneração prévia decidida pelo
Venerando Tribunal a quo.
- ACRL
de 08-02-2018 Exoneração do passivo restante. Decisão de recusa.
A
decisão de recusa, pelo juiz, da exoneração do passivo restante pressupõe a verificação
cumulativa dos seguintes pressupostos: a) violação das obrigações impostas ao
insolvente como corolário da admissão liminar do pedido de exoneração; b) que
essa violação decorra de uma actuação dolosa ou com grave negligência do
insolvente; c) verificação de um nexo causal entre a conduta dolosa ou
gravemente negligente do insolvente e o dano para a satisfação dos créditos
sobre a insolvência (artigos 243° e 244°, n.° 2 do CIRE).
11 –
Cabe ao administrador da insolvência, ao fiduciário e aos credores, sem
prejuízo da actuação oficiosa do tribunal, alegar e demonstrar esses requisitos
que delimitam negativamente o direito à exoneração do passivo restante, por
terem natureza impeditiva do direito, nos termos do artigo 342°, n.º 2, do
Código Civil.
12 –
Não é um qualquer incumprimento dos deveres do insolvente, durante aquele
período, que justifica a negação da exoneração do passivo restante.
13 – O
art. 244º, n.2 do CIRE, ao sujeitar a recusa da exoneração do passivo restante
à verificação dos requisitos previstos no art.243º, n.1, alínea a), pressupõe
que tal incumprimento atinja um determinado nível de gravidade, ou seja, que
possa ser qualificado como gravemente negligente ou doloso.
13 –
Por outro lado, e cumulativamente, desse preceito extrai-se, ainda, a necessidade
de se concluir pela verificação de um nexo de causalidade entre o incumprimento
e a existência de prejuízo para a satisfação dos créditos sobre a insolvência.
14 –
No caso concreto, não se encontrando alegada a existência de prejuízo para os
credores, nem tendo a decisão recorrida valorado esse requisito legal, deve
entender-se que falha um dos pressupostos que justificariam a negação da
exoneração do passivo restante.
15 –
Termos em que se pugna pelo deferimento liminar da exoneração do passivo
restante ao requerente, em virtude da nulidade cometida no despacho em apreço,
que, influi no exame e decisão da causa, conforme dispõem os arts. 613º/2/3 e
ART. 615º do CPC, contrariando o disposto nos arts. 244º/2 e 243º/1 a) do CIRE,
que, impõem a verificação cumulativa dos requisitos aí previstos, o que não
sucede neste caso.
16 –
No parecer do Senhor Administrador Judicial e no despacho judicial que
antecede, pronunciaram-se ambos pelo indeferimento do pedido de exoneração do
passivo restante formulado pelo requerente, em virtude deste, escassas semanas
antes da instauração deste processo de insolvência ter vendido por um valor
simbólico (300 €) o veículo automóvel de que era proprietário, com as seguintes
características – veículo ligeiro de passageiros de marca Renault, modelo Clio
do ano de 1996, com 360.177 Km.
17 –
Ora sucede que, após a resolução desta venda pelo Senhor Administrador
Judicial, este veículo foi colocado à venda em leilão eletrónico promovido pela
Leiloeira do Lena, pelo valor base de 300 €, o que, corrobora a afirmação do
requerente no que tange o seu valor comercial simbólico!!!
18 – A
alienação deste veículo pelo requerente nunca pôs em causa o interesse dos
credores nem nunca os lesou ou frustrou as suas expectativas quanto ao
pagamento dos seus créditos, porquanto, dado o valor comercial irrisório deste
bem, a sua venda apenas permitirá liquidar uma ínfima parte das custas
processuais e nem sequer dará para ratear o produto da sua venda pelos credores
cujos créditos foram reconhecidos, verificados e graduados, pelo que, também
por este motivo deverá ser liminarmente admitido o pedido de exoneração do
passivo restante, por constarem do processo documentos que implicam decisão
diversa da proferida, o que desde já se requer.
19 –
Violou a decisão recorrida o disposto nos arts. 238º, 243º e 244º do CIRE.
Não
foram apresentadas contra-alegações.
O
recurso foi admitido, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.
*
No
despacho recorrido, foram julgados provados os seguintes factos:
A) Na
petição inicial apresentada em 07.12.2022 o insolvente afirmou não possuir
quaisquer bens móveis ou imóveis.
B) O
insolvente foi proprietário do veículo automóvel XX-XX-XX, marca Renault até 28.11.2022.
C)
Questionado o insolvente, através da sua Ilustre Mandatária, para esclarecer os
motivos de ter deixado de ser proprietário do referido veículo automóvel uma
semana antes da sua apresentação à insolvência, foi apenas informado que o
veículo foi vendido por um preço simbólico, não dispondo de documentos comprovativos.
D) O
referido veículo foi vendido a AB, pai do insolvente, facto que foi apurado
posteriormente à informação referida em C) pelo Sr. AI.
E)
Através de carta remetida em 13.01.2022 o Sr. AI procedeu à resolução da venda
do veículo XX-XX-XX.
*
Através
do despacho recorrido, o tribunal a quo
indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante com
fundamento no disposto no artigo 238.º, n.º 1, al. g), com referência ao artigo
83.º, n.ºs 1 e 4, do CIRE.
Considerou
aquele tribunal que:
“O insolvente incumpriu assim o dever de
apresentação e colaboração, pois que não podia deixar de saber que havia
vendido o veículo automóvel ao seu pai, sendo que, uma vez que o vendeu apenas
uma semana antes da data da sua apresentação à insolvência também teria de
saber o eventual valor pelo qual o vendeu. Não obstante, não forneceu tais
informações ao Sr. AI apensar de terem sido solicitadas por este, limitando-se
a responder o veículo foi vendido por um preço simbólico, não dispondo de
documentos comprovativos.
O artigo 238.º, n.º 1, alínea g) exige,
ainda, que o devedor tenha agido com dolo ou culpa grave.
Revertendo ao caso em apreço é impossível
que o insolvente não soubesse/não se lembrasse das informações solicitadas pelo
Sr. AI, face à data da transmissão da propriedade do veículo automóvel (uma
semana antes da data de apresentação à insolvência) e ao facto de o adquirente
ser pai do insolvente. Existe, pois, pelo menos, culpa grave na violação do
dever de apresentação e colaboração.
Está, assim, preenchida a alínea g) do n.º
1 do artigo 238.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, pelo
que, mais não resta do que indeferir liminarmente o pedido de exoneração do
passivo restante.”
A
questão a resolver neste recurso é, pois, apenas a de saber se se verifica o
fundamento de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante
previsto no artigo 238.º, n.º 1, al. g), com referência ao artigo 83.º, n.ºs 1
e 4, do CIRE.
Acerca
desta questão, o recorrente argumenta, em síntese, que:
- O
valor-base pelo qual o veículo foi colocado à venda, em leilão electrónico,
após a resolução da venda por si efectuada (€ 300), corrobora a sua afirmação
de que o valor comercial do veículo era simbólico;
- A
venda por si efectuada nunca pôs em causa ou lesou o interesse dos credores,
nem frustrou as expectativas destes quanto ao pagamento dos seus créditos,
porquanto, dado o valor comercial irrisório do veículo, a sua venda apenas
permitirá liquidar uma ínfima parte das custas processuais e nem sequer dará
para ratear o produto da sua venda pelos credores cujos créditos foram
reconhecidos, verificados e graduados.
O
artigo 238.º, n.º 1, al. g), do CIRE, estabelece que o pedido de exoneração do
passivo restante é liminarmente indeferido se o devedor, com dolo ou culpa
grave, tiver violado, no decurso do processo de insolvência, os deveres de
informação, apresentação e colaboração que para ele resultam do mesmo código.
O
artigo 83.º, n.º 1, do CIRE, estabelece que o devedor insolvente fica obrigado
a: a) Fornecer todas as informações relevantes para o processo que lhe sejam
solicitadas pelo administrador da insolvência, pela assembleia de credores,
pela comissão de credores ou pelo tribunal; b) Apresentar-se pessoalmente no
tribunal, sempre que a apresentação seja determinada pelo juiz ou pelo
administrador da insolvência, salva a ocorrência de legítimo impedimento ou
expressa permissão de se fazer representar por mandatário; c) Prestar a
colaboração que lhe seja requerida pelo administrador da insolvência para
efeitos do desempenho das suas funções. O n.º 4 daquele artigo, segundo o qual o disposto nos números
anteriores é aplicável aos administradores do devedor e membros do seu órgão de
fiscalização, se for o caso, bem como às pessoas que tenham desempenhado esses
cargos dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência,
não é aplicável ao caso dos autos, em que está em causa a insolvência de uma
pessoa singular.
Analisemos,
com base nos factos que o tribunal a quo
julgou provados, se se verifica o fundamento de indeferimento liminar do pedido
de exoneração do passivo restante por aquele invocado.
Até
ao dia 28.11.2022, o recorrente foi proprietário do veículo automóvel com a
matrícula XX-XX-XX. No dia 07.12.2022, o recorrente apresentou-se à
insolvência, afirmando não possuir quaisquer bens móveis ou imóveis. O
administrador da insolvência solicitou ao recorrente que esclarecesse o motivo
pelo qual deixara de ser proprietário daquele veículo uma semana antes da sua
apresentação à insolvência. O recorrente informou que vendera o veículo por um
preço simbólico e que não dispunha de documentos comprovativos. O administrador
da insolvência apurou posteriormente que o veículo fora vendido ao pai do
recorrente.
Saliente-se
que não se encontra em apreciação a conduta do recorrente que se traduziu na
venda do veículo a seu pai uma semana antes de se apresentar à insolvência,
pois não foi com esse fundamento que o tribunal a quo indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo
restante. Encontra-se apenas em discussão se a resposta dada pelo recorrente ao
pedido de informação que lhe foi dirigido pelo administrador da insolvência
consubstancia uma violação do seu dever de informação.
De
acordo com a matéria de facto provada, a pergunta que o administrador fez ao
recorrente foi: por que motivo deixou de ser proprietário do veículo uma semana
antes de se apresentar à insolvência?
A
resposta do recorrente foi: vendi o veículo. Acrescentou: a venda foi feita por
um preço simbólico e não disponho de documentos comprovativos da venda.
O
recorrente respondeu à pergunta que lhe foi feita. Ele informou o administrador
da insolvência de que deixou de ser proprietário do veículo porque o vendeu.
Nada mais lhe foi perguntado.
Se,
na sequência da resposta do recorrente, o administrador lhe tivesse solicitado
que o informasse sobre o preço da venda e a identidade do comprador, e aquele
não lhe tivesse prestado essa informação, então sim, ter-se-ia verificado uma
violação do dever de informação. Mas não foi isso que aconteceu.
Objectar-se-á
que o recorrente devia ter percebido que o administrador da insolvência
pretendia uma informação o mais completa possível sobre o motivo pelo qual ele
deixara de ser proprietário do veículo. Não nos parece que esta objecção
proceda. Um pedido de informação que o administrador da insolvência dirija ao
insolvente deve ser preciso, para que não haja dúvidas sobre o seu alcance. Se,
na sequência de uma primeira resposta do insolvente, se suscitarem novas
interrogações ao administrador da insolvência, deverá este solicitar mais
informação ao insolvente.
É
isto que devia ter sido feito no caso dos autos. Tendo o recorrente respondido
que vendera o veículo, o administrador da insolvência, uma vez que necessitava
de saber o preço e a identidade do comprador, devia ter solicitado, àquele, tal
informação. Não era exigível, ao recorrente, perante o teor do pedido de
informação sobre a causa da perda do direito de propriedade sobre o veículo, ter
antecipado que detalhes do contrato de compra e venda o administrador da
insolvência necessitava de conhecer.
Tenha-se
ainda em conta que está em causa o indeferimento liminar de um pedido de
exoneração do passivo restante. A gravidade das consequências desse
indeferimento para o insolvente não carece de grande demonstração. Trata-se da
diferença entre a libertação do insolvente da generalidade das suas dívidas uma
vez decorrido o período da cessão com cumprimento dos seus deveres,
permitindo-lhe um recomeço da sua vida, na vertente patrimonial, sem o peso do
passivo anterior, e a permanência da sua vinculação a este passivo. A
importância daquilo que está em causa não se compadece com a incerteza sobre o
conteúdo dos deveres do insolvente de cujo cumprimento dependa a concessão da
exoneração do passivo restante.
Tendo
o recorrente respondido, objectivamente, à pergunta que lhe foi feita pelo
administrador da insolvência, cumpriu o seu dever de informação. É quanto basta
para concluir que não se verifica o fundamento de indeferimento liminar do
pedido de exoneração do passivo restante em que o tribunal a quo se baseou.
Todavia,
ainda que se considerasse que, objectivamente, o recorrente não prestou toda a
informação que era devida, sempre teria de se concluir, por tudo quanto
anteriormente referimos, que não teria ficado demonstrada a existência de dolo
ou de culpa grave da sua parte na omissão de informação sobre o preço por que
vendeu o veículo e a identidade do comprador. Exigindo o artigo 238.º, n.º 1,
al. g), do CIRE, que a violação dos deveres de informação, apresentação e
colaboração seja praticada com dolo ou culpa grave para que constitua
fundamento de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo
restante, sempre teria de se concluir que, no caso dos autos, não se verifica o
fundamento de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante
em que o tribunal a quo se baseou.
Deverá,
pelo exposto, o recurso ser julgado procedente e, consequentemente, o despacho
recorrido ser revogado.
*
Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso procedente, revogando-se
o despacho recorrido.
Custas
a cargo da massa insolvente.
Notifique.
*
Évora, 07.11.2023
Vítor Sequinho dos
Santos (relator)
1.ª adjunta
2.º adjunto