Processo n.º 972/15.0T8MMN.E1
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Sumário:
A cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante
com algum dos fundamentos previstos no n.º 1 do artigo 243.º do CIRE não pode ser decretada oficiosamente
pelo juiz, antes dependendo de requerimento fundamentado de algum credor da insolvência, do
administrador da insolvência, se estiver ainda em funções, ou do fiduciário,
caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do
devedor.
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RP e IP, casados entre si, recorreram do despacho, proferido em
01.06.2020, mediante o qual o tribunal a
quo, ao abrigo do disposto no artigo 243.º, n.º 1, al. a), e n.º 3, do CIRE
(diploma ao qual pertencem
as normas doravante referenciadas sem menção da sua origem), determinou a imediata
cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante.
As conclusões do recurso são as seguintes:
1 – Os autos não contêm factualidade reveladora de prática dolosa ou
gravemente negligente por parte dos insolventes.
2 – Com efeito, os insolventes não violaram dolosamente nenhuma das
obrigações impostas no artigo 239.º do CIRE, mormente pelo previsto no n.º 4,
alíneas a), b), c), d) e e).
3 – Os apelantes não praticaram actos lesivos da massa insolvente, dos
direitos dos credores, do exercício, pelo fiduciário, da sua missão, a quem, ao
longo do processo, têm prestado colaboração conforme as solicitações.
4 – Sai violado, com o despacho recorrido, o artigo 243.º, n.º 1, al. a),
e n.º 3, do CIRE. Relativamente à al. a) do n.º 1, não existe qualquer sinal ou
patologia que afecte os actos dos insolventes do modo que prescreve o despacho
em causa.
5 – A decisão de cessação antecipada de exoneração do passivo restante é
ilegal, por falta de fundamentação legal, e fere gravemente os direitos dos
insolventes, sob protecção do CIRE e da Constituição da República.
6 – O despacho recorrido despreza as circunstâncias em que nos últimos 4
meses se viveu no mundo do judiciário, com dificuldades de presença em
escritórios, de presença em tribunais, de presença fora de casa, sendo que
sempre a lei do momento proibiu a socialização e a saída e apelou ao
confinamento.
7 – A conclusão anterior assenta na desejável compreensão do tribunal a quo de que, à saída desse
confinamento, mormente após a data de 6 de Junho de 2020, era possível, com
maior e mais flexível adequação de meios, confrontar os insolventes com
eventuais falhas no processo e providenciar pelo seu suprimento. O que, desde
já, fizeram.
8 – A decisão recorrida imputa, à linha de comportamento dos insolventes,
pecados e patologias que não cometeram e que não justificam a violência da
cessação antecipada, agora decretada.
9 – Na motivação acima deste recurso ficaram devidamente esclarecidas
algumas das situações (n.ºs 1 a 8).
10 – Carece de conteúdo a afirmação de falta de cooperação com o
fiduciário, sendo manifestamente contraditada tal afirmação pela sequência
cronológica de comunicações escritas, trocadas pelos recorrentes, desde
05.07.2017 até ao presente, com o fiduciário, com o seu mandatário e com o
tribunal.
11 – Os apelantes sempre estiveram afastados do directo conhecimento das
iniciativas visando a cessação antecipada da exoneração.
12 – Como se mostra pela cronologia das comunicações, tem de admitir-se
que era lógico que os insolventes prestassem, como desejariam, as informações
solicitadas. É factual que no dia 06.01.2020 o fiduciário comunicou com a
insolvente IP, versando o tema da cópia da insolvência (do Externato S. Filipe)
para evidenciar a qualificação fortuita da mesma e o fiduciário teve aí a
oportunidade para alertar a insolvente para o procedimento em curso. O que não
fez.
13 – Tendo sido violada a lei – artigos 239.º, alíneas a), b), c), d) e
e), e 243.º do CIRE –, os recorrentes apelam para a revogação do despacho
impugnado e a sua substituição por acórdão do TRE que reponha os seus direitos
e o procedimento de exoneração do passivo restante, o que, com o douto
suprimento, se espera.
14 – Assim se fazendo a costumada justiça.
Não
foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido.
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A questão a resolver no presente recurso consiste em saber se se
verificam os pressupostos da cessação antecipada do procedimento de exoneração
do passivo restante.
Os factos relevantes para a análise desta questão são os seguintes:
1 – RP e IP, casados entre si, apresentaram-se à insolvência, nos termos
dos artigos 18.º e seguintes, tendo ainda requerido a exoneração do passivo
restante nos termos dos artigos 235.º e seguintes.
2 – Por sentença proferida em 13.05.2015, foi declarada a insolvência de
ambos os requerentes.
3 – Em 09.07.2015, no decurso da assembleia de apreciação do relatório, foi
liminarmente admitido o pedido de exoneração do passivo restante.
4 – Mediante despacho proferido em 04.12.2018, foi fixado o valor do
rendimento disponível a ser cedido ao fiduciário, nos termos do artigo 239.º,
n.º 2, tendo-se, então, determinado que o período da cessão começaria a
contar-se a partir da data do trânsito em julgado desse despacho.
5 – Em relatório apresentado em 12.12.2019, o fiduciário informou que os
documentos que lhe foram remetidos pelos insolventes com vista à demonstração
da sua situação económico-financeira não eram idóneos, nem suficientes, para
esse fim.
6 – Em cumprimento de despacho proferido em 21.01.2020, o tribunal a quo notificou, em 23.01.2020, os
insolventes, na pessoa do seu advogado, para, em 10 dias, demonstrarem ter
remetido, ao fiduciário, a informação relevante para efeitos de acompanhamento
do cumprimento das obrigações decorrentes da vigência do período da cessão, com
a advertência de que, no seu silêncio e na ausência de cabal justificação para
o incumprimento daquelas obrigações, o procedimento de exoneração do passivo
restante seria cessado antecipadamente nos termos do artigo 243.º, n.º 3.
7 – Em 07.02.2020, o fiduciário comunicou ao tribunal a quo que “Não foi prestada qualquer
informação por parte dos insolventes, nem efectuada qualquer transferência para
a conta bancária da massa insolvente”.
8 – Em cumprimento de despacho proferido em 30.04.2020, o tribunal a quo notificou, em 04.05.2020, os
insolventes e os credores, com cópia da comunicação do fiduciário de
07.02.2020, para, querendo, em 10 dias, se pronunciarem quanto à cessação
antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante, nos termos do artigo
243.º, n.º 3.
9 – Os insolventes não se pronunciaram.
10 – Em seguida, o tribunal a quo
proferiu o despacho recorrido.
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O artigo 243.º, n.º 1, estabelece que, antes ainda de terminado o período da cessão, deve o
juiz recusar a exoneração, a requerimento fundamentado de algum credor da
insolvência, do administrador da insolvência, se estiver ainda em funções, ou
do fiduciário, caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das
obrigações do devedor, quando:
a) O devedor tiver dolosamente ou com
grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo
artigo 239.º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a
insolvência;
b) Se apure a existência de alguma das
circunstâncias referidas nas alíneas b), e) e f) do n.º 1 do artigo 238.º, se
apenas tiver sido conhecida pelo requerente após o despacho inicial ou for de
verificação superveniente;
c) A decisão do incidente de qualificação
da insolvência tiver concluído pela existência de culpa do devedor na criação
ou agravamento da situação de insolvência.
Para a interpretação do citado n.º 1, importa ainda considerar o disposto
nos restantes números do mesmo artigo. O n.º 2 estabelece que o requerimento referido no n.º 1 apenas
pode ser apresentado dentro do ano seguinte à data em que o requerente teve ou
poderia ter tido conhecimento dos fundamentos invocados, devendo ser oferecida
logo a respectiva prova. O n.º 3 estabelece um regime especial quando o mesmo
requerimento se baseie nas alíneas a) e b) do n.º 1. O n.º 4, por seu turno,
assume particular importância, ao dispor que o juiz, oficiosamente ou a
requerimento do devedor ou do fiduciário, declara também encerrado o incidente
logo que se mostrem integralmente satisfeitos todos os créditos sobre a insolvência.
Resulta claramente do n.º 1 do artigo 243.º que a cessação antecipada do procedimento de exoneração do
passivo restante com algum dos fundamentos nele previstos depende de
requerimento fundamentado de algum
credor da insolvência, do administrador da insolvência, se estiver ainda em
funções, ou do fiduciário, caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o
cumprimento das obrigações do devedor. Requerimento esse cuja apresentação está
sujeita a um prazo e com o qual deve ser logo oferecida a respectiva prova, nos
termos do n.º 2. Se, ainda assim, dúvidas restassem de que a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante ao abrigo
do n.º 1 depende da iniciativa de algum dos referidos sujeitos processuais,
dissipar-se-iam mediante o cotejo dessa norma com o n.º 4. Aqui sim,
estabelece-se que, se o fundamento for a integral satisfação de todos os
créditos sobre a insolvência, a cessação antecipada do procedimento de
exoneração do passivo restante pode ser declarada oficiosamente pelo juiz. O
n.º 1 não prevê tal possibilidade e, em vez disso, exige expressamente a
apresentação de requerimento de cessação por algum dos sujeitos processuais
nele referidos.
No caso dos autos, nenhum dos sujeitos processuais referidos no n.º 1 do
artigo 243.º requereu a cessação antecipada do procedimento de exoneração do
passivo restante com o fundamento em que o despacho recorrido se baseou para a
decretar. No relatório que apresentou em 12.12.2019, o fiduciário limitou-se a prestar
informação ao tribunal a quo, não
tendo requerido a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo
restante. Na realidade, foi o próprio tribunal a quo que, na sequência da referida comunicação do fiduciário,
desencadeou oficiosamente a tramitação que culminou na prolação do despacho
recorrido. Como vimos, não podia fazê-lo.
O despacho recorrido viola, assim, o disposto no n.º 1 do artigo 243.º,
impondo-se a sua revogação, com o consequente prosseguimento do período da
cessão. Fica, pelo exposto, prejudicado o conhecimento das restantes questões
que se suscitavam neste recurso.
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Decisão:
Delibera-se, pelo
exposto, julgar o recurso procedente, revogando-se o despacho recorrido, com o
consequente prosseguimento do período da cessão.
Custas
a cargo da massa insolvente.
Notifique.
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Évora, 24 de Setembro de 2020
Vítor
Sequinho dos Santos (relator)
1.º
adjunto
2.º
adjunto