Processo n.º 5301/12.2TBPTM-M.E1
*
Sumário:
A majoração estabelecida no
n.º 7 do artigo 23.º do Estatuto do Administrador Judicial deve ser feita tendo
por base a percentagem do valor dos créditos reclamados e admitidos que obtém
satisfação.
*
Insolvente: Sociedade 1,
Lda..
Administrador da
insolvência: AA.
*
O
administrador da insolvência interpôs recurso de apelação do despacho que fixou
em € 40.648,41 o valor da parte variável da sua remuneração, tendo apresentado
as seguintes conclusões:
A) Dando aqui por reproduzido tudo quanto
anteriormente se disse, ao abrigo do princípio da economia processual,
cumpre-nos balizar o presente recurso.
B) Pretende o recorrente ver esclarecida
por este venerando tribunal a questão suscitada pelo despacho proferido pelo
tribunal a quo, a saber:
1 – Andou bem o tribunal a quo na interpretação e aplicação do
disposto no n.º 7 do artigo 23.º do Estatuto dos Administradores Judiciais,
isto é, ao determinar que a majoração dos 5% deverá ser calculada sobre a
percentagem dos créditos satisfeitos e não sobre o montante dos créditos satisfeitos?
2 – O quociente entre o resultado da
liquidação e o total dos créditos admitidos corresponde ao grau de satisfação
dos credores ou ao grau médio de satisfação dos credores?
Posto isto,
C) Parece-nos de suma importância que este
tribunal clarifique o correcto cálculo da majoração da remuneração variável do
administrador da insolvência, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 23.º do
EAJ, de acordo com a sua nova redacção, conferida pela Lei n.º 9/2022, de 11.01.
D) Porquanto, desde a entrada em vigor da Lei
n.º 9/2022 que o recorrente tem sido notificado de despachos sobre a proposta
de cálculo da remuneração variável distintos, isto é, despachos que aplicam
diferentes formas de cálculo – uns calculam 5% de majoração sobre o montante
dos créditos reclamados, admitidos e satisfeitos, já outros, como é o caso sub judice, calculam 5% sobre a percentagem
dos créditos reclamados, admitidos e satisfeitos.
E) Ou seja, decisões díspares, com valores
totalmente distintos, que o recorrente tem sido notificado. Vivendo na
incerteza quanto ao valor da remuneração variável que auferirá em cada
processo.
F) O que, sem prejuízo de causar
frustração da expectativa do recorrente, no plano abstracto e geral provoca
grave incerteza jurídica no que concerne à remuneração do administrador
judicial no ordenamento jurídico português, daí a importância do douto
esclarecimento que se almeja com o presente recurso.
G) Resultando assim que a única inovação
da norma foi “(…) em 5% do montante dos
créditos satisfeitos, sendo o respectivo valor pago previamente à satisfação
daqueles.”
H) Ou seja, a inovação na norma nada
refere que o cálculo tenha de ser efectuado sobre a percentagem de créditos
satisfeitos, o que diz, ipsis verbis,
é que a majoração é de 5% do montante dos créditos satisfeitos.
I) Pelo que, se recorrermos à
interpretação literal da norma, advogamos que o que a letra da lei nos diz é
que a majoração dos 5% deverá ser calculada sobre o montante dos créditos
satisfeitos – a interpretação do recorrente.
J) E não sobre a percentagem dos créditos
satisfeitos – interpretação do tribunal a
quo.
K) Através da função negativa, de exclusão,
é colocada de parte a interpretação do tribunal a quo que determina o cálculo da majoração de 5% sobre a
percentagem dos créditos reclamados, admitidos e satisfeitos.
L) Uma vez que a letra da lei refere “5% do montante dos créditos satisfeitos”.
M) E, caso o legislador quisesse dizer 5%
da percentagem dos créditos satisfeitos, certamente o teria escrito, não sendo
esse o caso.
N) Posto isto, não pode o recorrente
defender uma posição ou, no caso, conformar-se com uma interpretação que não
tem base de apoio na letra da lei.
O) Por outro lado, se atendermos à função positiva do elemento
literal na interpretação, entendemos que o legislador, ao escrever “5% no montante dos créditos satisfeitos”,
referia-se, tão-somente, a montantes, isto é, valores, importância, ou quantia
a distribuir pelos credores, nunca a percentagem a distribuir pelos credores.
P) Sendo certo que a palavra montante, na
linguagem corrente ou, ainda, na linguagem jurídica, não é utilizada como
sinónimo de percentagem.
Q) A Lei n.º 9/2022 transpõe a Directiva
(UE) 2019/1023, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20.06.2019, e,
consequentemente, altera o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o
Código das Sociedades Comerciais, o Código do Registo Comercial e legislação
conexa, tal como o Estatuto dos Administradores Judiciais.
R) E, se há expressão que podemos usar no
que se refere a esta Directiva, é a prossecução da eficácia nos processos de
recuperação ou de insolvência.
S) Razão pela qual, a Directiva impõe aos
Estados-Membros que exijam aos profissionais do domínio da reestruturação, isto
é, administradores judiciais, formação e conhecimentos técnicos específicos.
Assim como, imponha a fiscalização à actividade daqueles, tudo isto conforme se
retira dos considerandos 87 e 89 e, ainda, dos artigos 26.º e 27.º daquela Directiva.
T) No entanto, a Directiva vinca que os
serviços prestados pelos administradores judiciais deverão sê-lo “(…) de modo imparcial e independente”.
U) Acrescentando, no n.º 4 do artigo 27.º,
que “Os Estados-Membros asseguram que
a remuneração dos profissionais se reja por regras que sejam compatíveis com o
objectivo de uma resolução eficiente dos processos”.
V) Ou seja, o espírito da Directiva não é
piorar as condições de remuneração dos administradores judiciais, pessoas das
quais, em bom rigor, a eficiência do processo depende.
W) Assim como depende dos seus
conhecimentos técnicos.
X) Pelo que não se concebe que a alteração
da lei que venha degradar as condições de remuneração dos administradores
judiciais, quando o que a Directiva pretende é criar maior incentivo à gestão
eficaz do processo por parte daqueles intervenientes e a sua actuação isenta e
imparcial.
Y) Relembrando que os administradores
judiciais regem o património das massas insolventes durante anos, o que
facilmente poderá alcançar as largas centenas de milhares de euros ao ano.
Z) Portanto, quer-nos parecer que o
espírito da lei deverá ser a criação de fiscalização rigorosa e, de mãos dadas,
o aumento da remuneração variável como um incentivo à eficiência, diligência e
seriedade dos administradores judiciais.
AA) A este propósito, é interessante a
abordagem do Sr. Dr. Nuno Marcelo de Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo, juiz
de direito da comarca de Aveiro do 1.º Juízo do Comércio de Anadia, in “A
remuneração do administrador judicial e a sua apreciação depois de 2022”,
publicado pela Associação Portuguesa dos Administradores Judiciais, que
salienta a dignificação do exercício de funções dos administradores judiciais
como um dos critérios aos quais se deve recorrer para interpretar as alterações
introduzidas pela Lei n.º 9/2022: “(…) tem
de salientar-se, negativamente, que a remuneração fixa prevista para o
administrador da insolvência, no valor de € 2000 por processo, introduzido pela
Portaria 51/2005, de 20.01, está já em vigor desde que, em 2024, teve início a
aplicação no tempo do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante,
CIRE). Ou seja, durante cerca de vinte anos, o valor da remuneração fixa não
foi objecto de qualquer aumento ou actualização. Mais, a situação agravou-se
tendo em conta o valor tabelar das despesas do administrador, que em 2004 era
de € 500 (art. 26.º/6 da Lei 32/2004, de 22.07, e artigo 29.º/8 do EAJ com a
redacção original, e diminuiu para apenas 2 UC com as modificações introduzidas
pelo Decreto-Lei 52/2009, de 17-4, no artigo 29.º/ 8 do EAJ, não sofrendo
qualquer alteração com a Lei n.º 9/2022, de 11-1. No entanto, com o aparente
propósito de compensar tal estagnação, para nós injustificada, o legislador
optou agora para aumentar significativamente a componente variável da
remuneração do AJ, o que, portanto, decidiu fazer à custa das massas
insolventes, dos credores e, nos processos de recuperação, revitalização e para
acordo de pagamentos, dos devedores.” (pg 4-5)
BB) Na mesma publicação, o autor
interpreta o cálculo a que o n.º 7 do artigo 23.º do EAJ faz alusão, dizendo: “A nosso ver, a sua aplicação requer as
seguintes operações:
I) Apuramento do resultado da liquidação (n.º 6) nos termos
tradicionais, i. é, o valor das receitas obtidas, deduzido das despesas e
dívidas da massa insolvente e das custas resultantes de processos instaurados
após a insolvência, mas, como se disse, sem considerar a remuneração fixa;
II) Aplicação da percentagem de 5% sobre esse resultado; e
III) Majoração de mais 5% sobre o valor pronto para
distribuição.
A respeito deste último momento da operação, o n.º 7 do
preceito legal refere “5% do montante dos créditos satisfeitos”, mas parece
evidente que usou a expressão sem qualquer rigor, porque se aumenta o valor da
remuneração variável, à custa das disponibilidades da massa insolvente, já não
estamos, obviamente, nessa mesma medida, na presença de “créditos satisfeitos”.
Assim sendo, o que a lei parece pretender referir, para a
majoração da remuneração variável em caso de liquidação, é a aplicação de novo
factor de 5% sobre o valor pronto para distribuição, “limpo”, totalmente
líquido, que seria destinado ao pagamento dos créditos, mas que vai ser
retirado desse destino para majorar a remuneração do AI, quase como se este
fosse um credor.
E assim se compreende que o n.º 7 determine, na verdade de
forma perfeitamente desnecessária, face à precipuidade das dívidas da massa,
que o respectivo valor “é pago previamente à satisfação” dos credores.
Em suma, pensamos que estes 5% da majoração vão incidir sobre
o produto da liquidação já deduzido de todas as despesas da massa, incluindo a
remuneração fixa e variável (esta, naturalmente ainda sem a majoração).
Crendo-se que esta majoração não constitui outros 5% sobre o
valor da liquidação, primeiro porque a forma de apuramento é distinta, nos
termos do n.º 7, e igualmente porque de outro modo não se compreenderia que o
legislador não tivesse logo estabelecido o valor de 10% sobre o resultado da
liquidação.
Por outro lado, daqui resulta, em conjugação com o disposto
no art. 30.º do EAJ, que a remuneração fixa e remuneração variável do AJ em
processo de liquidação estão sempre garantidas; ao invés, como se disse, no PER
e no PEAP, nenhuma das duas está verdadeiramente assegurada ao AJ. Finalmente,
a nova fórmula de cálculo da remuneração variável em caso de liquidação, e ao
contrário do que a letra do n.º 7 parece sugerir, implica a total irrelevância
que o grau (ou percentagem) de satisfação dos credores assume agora, face ao
universo da totalidade dos créditos.” (pg. 32-33)
CC) Assim como, o que já foi decidido pelo
Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão datado de 20.09.2022, processo n.º
9849/14.6T8LSB-E.L1 no sentido dos 5% da remuneração variável serem calculados
sobre a quantia efectiva de créditos satisfeitos e não sobre a percentagem de
créditos satisfeitos.
Mais
DD) Estamos diante de um valor de
liquidação do activo de € 990.851,67 e, ao interpretar o artigo 23.º, n.º 7, do
EAJ como o tribunal a quo fez,
resulta que o administrador judicial receberá menos que a percentagem que os
vendedores imobiliários cobram por, apenas, a venda de um imóvel.
EE) Apesar de os deveres e
responsabilidades do administrador judicial serem imensuravelmente superiores aos
dos vendedores de imóveis.
Ademais,
FF) Com a interpretação que o tribunal a quo faz parece pretender imputar o
ónus ao administrador judicial da quantidade de créditos existentes sobre cada
massa insolvente.
Repare-se:
GG) Dois processos de insolvência (A e B) em
tudo similares quanto ao objecto e valor da liquidação (por exemplo: dois
imóveis) de que resultou um montante de € 100.000 em cada um;
HH) No processo A, porém, o valor dos
créditos aprovados é de € 200.000 (por exemplo: crédito hipotecário), logo o
grau de satisfação é de 50%;
II) No processo B, o valor dos créditos
aprovados é de € 400.000 (por exemplo: crédito hipotecário em tudo similar ao
do outro processo, mas em que existam outros créditos), logo o grau de
satisfação é de 25%;
JJ) No processo A, a segunda parte da
remuneração variável seria de cerca de € 2.500;
KK) No processo B, a segunda parte da
remuneração variável seria de cerca de € 1.250.
LL) Ou seja, o resultado das diligências
do administrador da insolvência seria remunerado de forma substancialmente
diversa, apesar do trabalho desenvolvido e do trabalho obtido serem exactamente
os mesmos, e isso pela simples circunstância de existirem créditos aprovados
diferentes, claramente, não parece que seja esse o objectivo do legislador.
MM) Acaso pode o AJ controlar o passivo
dos devedores que são declarados insolventes?
NN) Pelo que, também por estes motivos,
não se pode aceitar a interpretação do tribunal a quo da norma em crise.
OO) Porquanto, a interpretação do tribunal
a quo não só não dignifica as funções
de administrador judicial, como não promove ou incentiva o exercício exímio
daquelas funções, com empenho máximo – o que é contraproducente, como, cremos,
facilmente se alcança.
PP) Por fim, o quociente entre o resultado
da liquidação e o total dos créditos admitidos não corresponde ao grau de
satisfação dos credores, mas sim ao “grau
médio de satisfação dos credores”.
QQ) Ou seja, podem coabitar credores com
satisfação integral dos seus créditos com credores sem qualquer satisfação dos
seus créditos.
RR) O que suscita a questão de saber se a
expressão “dos credores” se refere a
todos ou somente àqueles que serão ressarcidos (total ou parcialmente).
SS) Logo, parece-nos claro que a melhor e
mais adequada medida do “grau de
satisfação dos credores” corresponde ao montante absoluto em valor que será
distribuído pelos credores (grosso modo, o produto da liquidação).
TT) Com efeito, somente o numerador
daquele quociente pode ser, eventualmente, potenciado pelo empenho e diligência
do AJ. O denominador não depende, em circunstância alguma, da intervenção do
AJ.
UU) Ora, querer associar, por via do tal
grau médio de satisfação dos credores, à medida do desempenho do AJ, não faz
qualquer sentido.
VV) O produto da liquidação será, pois, na
falta de melhor indicador, aquele que melhor se poderá associar à medida do
desempenho do AJ.
WW) Finalmente, uma breve referência à
circunstância das custas judiciais serem apuradas exactamente por referência ao
produto da liquidação, sem quaisquer preocupações com a satisfação ou não dos
credores.
XX) Posto isto, está em causa o princípio
da segurança e certeza jurídicas quanto à remuneração variável dos
administradores judiciais, bem como da dignidade das funções de administrador
judicial, tal como tem vindo a ser defendido por este tribunal da relação,
designadamente nos acórdãos supra referenciados dos processos números 3454/20.5T8STS-K.P1
e 1024/10.5TYVNG-N.P1.
Não foram apresentadas
contra-alegações.
O recurso foi admitido.
*
Questão a resolver: Fórmula de
cálculo da majoração prevista no n.º 7 do artigo 23.º do Estatuto do Administrador Judicial (EAJ).
*
O
n.º 7 do artigo 23.º do EAJ estabelece, na parte que nos interessa, que o valor
alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 5 e 6 é majorado, em
função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do
montante dos créditos satisfeitos.
A
redacção desta norma não é feliz. Estabelece-se que a majoração se faz em
função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, mas, logo a
seguir, também se estabelece que a majoração deverá ser de 5% do montante dos
créditos satisfeitos. Trata-se de realidades diferentes. O grau de satisfação
dos créditos é evidenciado pelo confronto entre o montante dos créditos
reclamados e admitidos e a parte desses créditos que obtém satisfação. O montante
dos créditos satisfeitos é apenas um dos termos da relação que exprime o grau
de satisfação dos créditos. Daí os problemas interpretativos que a norma vem
suscitando.
O
entendimento do tribunal a quo é o de
que «o grau de satisfação dos créditos
reclamados não poderá ser ignorado. Ainda que as expressões utilizadas pelo
legislador não tenham sido as mais esclarecedoras, o que está em causa,
fundamentalmente, é a majoração e a dependência “do grau de satisfação dos
créditos reclamados e admitidos”. (…) Considerando o teor literal do preceito,
que faz expressa referência ao “grau de satisfação dos créditos reclamados e
admitidos” e porquanto se entende que o legislador não teve intenção de
abandonar o princípio já vigente de que a majoração da remuneração variável
dependeria do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos (…)
entendo que não poderá desconsiderar-se a proporção dos créditos efectivamente
satisfeito, face aos créditos reclamados e admitidos.»
O
recorrente discorda deste entendimento, sustentando que «a majoração
dos 5% deverá ser calculada sobre o montante dos créditos satisfeitos», sem se ter
em conta o grau de satisfação desses créditos.
Quer
o relator, quer os adjuntos, tomaram anteriormente posição coincidente com a do
tribunal a quo – acórdãos da Relação
de Évora de 14.09.2023 (Vítor Sequinho dos Santos), de 20.04.2023 (Anabela Luna
de Carvalho) e de 30.03.2023 (Francisco Matos, o qual também subscreveu, como
adjunto, o acórdão referido em primeiro lugar). Também assim decidiu o Supremo
Tribunal de Justiça no acórdão do de 18.04.2023 (Maria Olinda Garcia) e vem
sendo decidido unanimemente neste Tribunal da Relação – acórdãos de 29.09.2022
(Tomé de Carvalho), 15.12.2022 (Maria Domingas Simões), 02.03.2023 (Maria
Domingas Simões), 30.03.2023 (Isabel de Matos Peixoto Imaginário), 30.03.2023
(Tomé de Carvalho), 20.04.2023 (Maria Domingas Simões) e 11.05.2023 (José
Manuel Barata).
O
entendimento segundo o qual os 5% de majoração devem ser calculados
directamente sobre o montante em que os créditos são satisfeitos implica
considerar não escrito o trecho do n.º 7 do artigo 23.º do EAJ que estabelece
que a retribuição do administrador judicial é majorada em função do grau de
satisfação dos créditos reclamados e admitidos. Majorar-se esta parcela da
retribuição variável em função do montante em que os créditos reclamados e
admitidos são satisfeitos, sem mais, implicaria a negação do critério do grau
de satisfação desses créditos. O resultado da majoração seria sempre o mesmo,
independentemente de os créditos serem satisfeitos em 100%, em 50%, em 10%, ou em
qualquer outra proporção.
Daí
que tal interpretação do n.º 7 do artigo 23.º do EAJ deva ser afastada. A
interpretação correcta desta norma, que tem em conta a sua teleologia, é aquela
segundo a qual a majoração deve ser feita tendo por base a percentagem do valor
dos créditos reclamados e admitidos que obtém satisfação.
O
entendimento que acabámos de expor não é abalado pela argumentação do
recorrente.
O
recorrente afirma que, “caso o legislador quisesse
dizer 5% da percentagem dos créditos satisfeitos, certamente o teria escrito,
não sendo esse o caso”. O contra-argumento é óbvio: caso o legislador
pretendesse que a majoração fosse de 5% do montante dos créditos
satisfeitos, não teria estabelecido que ela deve ser feita em função do grau de
satisfação dos créditos reclamados e admitidos. Entre os dois segmentos
aparentemente contraditórios do n.º 7 do artigo 23.º do EAJ, a solução tem de ser
encontrada com recurso à teleologia da norma, que é a de estimular o
administrador judicial a esforçar-se no sentido de obter o maior grau de
satisfação possível dos créditos reclamados e admitidos.
O
argumento de que a Directiva
(UE) 2019/1023, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20.06.2019, que a Lei
n.º 9/2022 transpõe a ordem interna, tem um objectivo de prossecução da
eficácia nos processos de recuperação ou de insolvência, apenas corrobora o
nosso entendimento. Nesta perspectiva, eficácia consiste em assegurar o
maior grau de satisfação possível dos créditos reclamados e admitidos, para o
que a majoração da parte variável da remuneração do administrador judicial em
função da percentagem de satisfação do conjunto dos créditos reclamados e
admitidos constitui o melhor estímulo. Melhor, seguramente, que uma majoração
feita exclusivamente em função do montante em que os créditos são satisfeitos,
independentemente do grau dessa satisfação.
Não
vemos em que medida o critério da majoração da parte variável da remuneração em
função do grau de satisfação dos créditos ponha em causa a imparcialidade e a
independência da actuação do administrador judicial. O próprio recorrente não
fundamenta esta afirmação.
O
argumento de que o critério seguido pelo tribunal a quo gera uma degradação das condições de remuneração do administrador judicial
peca por falta de demonstração. Poderia, eventualmente, ser assim
se a totalidade da remuneração fosse calculada de acordo com aquele critério.
Mas não é isso que acontece.
A
comparação, feita pelo recorrente, da remuneração do administrador judicial com
a dos mediadores imobiliários, além de factualmente não sustentada, não tem
razão de ser. Trata-se de funções distintas, exercidas sob enquadramentos
jurídicos também distintos, pelo que a comparação é descabida.
O
mesmo se diga do paralelismo que o recorrente faz entre a remuneração do
administrador judicial e as custas judiciais. Não tem razão de ser, pura e
simplesmente.
A
argumentação constante das conclusões FF) a NN) não procede, pois foi opção
deliberada do legislador que a majoração se faça em função, não da actividade
do administrador judicial em si mesma, mas sim do resultado dessa actividade.
Sendo este o critério de cálculo, as diferenças remuneratórias assinaladas pelo
recorrente nada têm de anormal.
A
argumentação constante das conclusões PP) a RR) também nada demonstra.
Efectivamente, a referência, feita no n.º 7 do artigo 23.º do EAJ, ao “grau de satisfação dos créditos reclamados
e admitidos”, reporta-se ao grau médio de satisfação dos credores. Não é possível
outra interpretação, precisamente pela razão referida pelo recorrente na
conclusão QQ).
Concluindo,
o tribunal a quo decidiu
acertadamente, pelo que a decisão recorrida deverá ser confirmada, improcedendo
o recurso.
*
Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto,
julgar o recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do
recorrente.
Notifique.
*
Évora, 08.02.2024
Vítor
Sequinho dos Santos (relator)
Anabela
Luna de Carvalho (1.ª adjunta)
Francisco
Matos (2.º adjunto)