quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Acórdão da Relação de Évora de 05.12.2024

Processo n.º 1317/22.9T8OLH-B.E1

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Sumário:

1 – O interessado que pretenda impugnar a lista de credores reconhecidos com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos, tem o ónus de o fazer nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no n.º 1 do artigo 129.º do CIRE.

2 – Decorrido tal prazo, estabelecido no n.º 1 do artigo 130.º do CIRE, fica precludido o referido direito de impugnação.

3 – Os recursos ordinários visam o reexame de questões que foram submetidas à apreciação do tribunal a quo e não o conhecimento de questões novas, excepto se estas forem de conhecimento oficioso.

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AAA impugnou a lista dos credores reconhecidos e não reconhecidos apresentada pelo administrador da insolvência, pedindo a sua inclusão, nela, como credor reconhecido, e a verificação e graduação do crédito que invocou como garantido, no valor total de € 219.000, acrescido dos respectivos juros vincendos, calculados sobre o capital, à taxa em vigor, demais despesas e acréscimos legais.

BBB, credora reclamante, e Massa Insolvente de CCC e DDD, responderam à impugnação, pugnando pela sua improcedência.

Posteriormente, AAA e Massa Insolvente de CCC e DDD celebraram uma transacção mediante a qual o crédito invocado pelo primeiro foi incluído na lista dos créditos reconhecidos, com o montante de € 219.000 e a natureza de subordinado. Notificada para se pronunciar, a credora BBB nada disse.

Em seguida, o tribunal a quo proferiu sentença mediante a qual homologou:

- A transacção;

- A lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência, julgando tais créditos verificados e reconhecidos e reconhecendo o crédito de AAA sobre os insolventes, com o montante de € 219.000 e a natureza de subordinado;

- A proposta de graduação de créditos elaborada pelo administrador da insolvência.

AAA interpôs recurso de apelação da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:

I. O valor do crédito alegado pela credora BBB é manifestamente inferior àquele a que efectivamente terá direito.

II. Considerando que o crédito da BBB já foi reconhecido judicialmente, por sentença, no processo n.º 1336/19.2T8SLV, quer o tribunal, quer o administrador de insolvência, podem oficiosamente verificar e calcular o valor do crédito daquela sociedade em relação aos insolventes.

III. Em resultado dos créditos obtidos, ou a obter, no processo n.º 1336/19.2T8SLV, a BBB não pode ter um crédito sobre os insolventes superior a € 19.536,25, acrescido de juros, considerando os limites constantes nos termos da sentença.

IV. A verificação do crédito de um credor, em quantia superior àquele que efectivamente deve ser reconhecido, prejudica, para além dos insolventes, os demais credores, nomeadamente o recorrente.

V. A credora BBB litigou de má-fé, devendo ser condenada em multa e indemnização.

Termos em que se requer a V. Exas. que se dignem a julgar procedente o presente recurso e revogar a decisão na parte em que verifica o crédito da BBB, no valor de € 215.572,07, devendo o crédito da credora BBB ser calculado nos termos da decisão judicial executiva proferida no processo n.º 1336/19.2T8SLV, subtraindo as quantias por ela recebidas ou a receber no âmbito daquele processo, e condenar a credora BBB em litigância de má-fé, e numa multa e indemnização a liquidar por V. Exas., numa quantia não inferior a € 5.000.

O recurso foi admitido.

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Suscita-se a questão de saber se é legalmente admissível a discussão, no presente recurso, do valor do crédito reclamado por BBB como o recorrente pretende.

O n.º 1 do artigo 130.º do CIRE (diploma ao qual pertencem as normas legais doravante referenciadas sem menção da sua origem) estabelece que, nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no n.º 1 do artigo anterior, pode qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos. O n.º 3 do mesmo artigo estabelece que, se não houver impugnações, será, de imediato, proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, em que, salvo o caso de erro manifesto, o juiz homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista, podendo o juiz, caso concorde com a proposta de graduação elaborada pelo administrador da insolvência, homologar a mencionada proposta.

O recorrente impugnou a lista dos credores reconhecidos apresentada pelo administrador da insolvência, mas unicamente para pedir a sua própria inclusão nessa lista e a verificação e graduação do seu crédito como garantido, no valor total de € 219.000, acrescido dos respectivos juros vincendos, calculados sobre o capital, à taxa em vigor, demais despesas e acréscimos legais. O recorrente não impugnou a referida lista com fundamento na incorrecção do montante do crédito reclamado por BBB, ou seja, não questionou a existência deste crédito, nem o montante que lhe foi atribuído na mesma lista.

O tribunal a quo não proferiu imediatamente a sentença de verificação e graduação dos créditos, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 130.º, devido à impugnação deduzida pelo recorrente, com o fundamento acima referido. Não obstante, ao não questionar, dentro do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 130.º, a existência e/ou o montante do crédito reclamado por BBB ficou precludido o direito de o recorrente o fazer. Decorre do n.º 1 daquele artigo que, querendo impugnar a lista de credores reconhecidos nos termos e com os fundamentos aí previstos, o interessado tem o ónus de o fazer nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no n.º 1 do artigo 129.º. Decorrido tal prazo, ocorre aquela preclusão[1]. O recorrente perdeu a possibilidade de questionar a existência e/ou o montante do crédito reclamado pela BBB.

Celebrada e homologada a transacção, ficou sanada a única divergência que se verificava sobre o conteúdo da lista dos credores reconhecidos e não reconhecidos apresentada pelo administrador da insolvência. Ou seja, ficou-se numa situação equivalente àquele que teria existido se não tivesse existido impugnação: todo o conteúdo da referida lista era consensual. Daí que o tribunal a quo tenha proferido a sentença de verificação e graduação dos créditos nos termos previstos no n.º 3 do artigo 130.º.

Resulta do exposto que a invocação, pelo recorrente, da questão do valor do crédito reclamado por BBB, que pretende ver reduzido para quantia não superior a € 19.536,25, mais juros, posteriormente ao decurso do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 130.º, ainda que houvesse tido lugar perante o tribunal a quo, seria extemporânea e, consequentemente, inadmissível.

No caso dos autos, a invocação daquela questão esbarra num segundo limite: o de ter ocorrido apenas na fase de recurso. Perante o tribunal a quo, o recorrente não pôs em causa o valor do crédito reclamado por BBB, nem no prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 130.º, nem sequer, ainda que extemporaneamente, em momento posterior. Daí que essa questão não tenha sido abordada na sentença recorrida.

Resulta dos artigos 627.º, n.º 1, 639.º, n.ºs 1 e 2, e 640.º do CPC que os recursos ordinários visam o reexame de questões que foram submetidas à apreciação do tribunal a quo e não o conhecimento de questões novas, ou seja, suscitadas pela primeira vez perante o tribunal ad quem. Apenas assim não será se se tratar de questões de conhecimento oficioso.

Ao longo das suas alegações, o recorrente insiste que a questão do valor do crédito reclamado por BBB é de conhecimento oficioso, uma vez que «o crédito da BBB já foi reconhecido judicialmente, por sentença, no processo n.º 1336/19.2T8SLV» (conclusão II). Porém, o recorrente não indica o fundamento jurídico de tal afirmação. De que norma ou normas jurídicas resulta que o facto de aquele crédito ter sido reconhecido por sentença proferida noutro processo torna a questão do seu montante de conhecimento oficioso neste processo? O recorrente não diz. E, na realidade, uma coisa nada tem a ver com a outra.

Concluindo, está vedado, ao tribunal ad quem, conhecer a questão do montante do crédito reclamado por BBB. Por um lado, porque, ao não impugnar, dentro do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 130.º, a lista dos credores reconhecidos e não reconhecidos apresentada pelo administrador da insolvência na parte respeitante àquele crédito, ficou precludido o direito de o recorrente o fazer em momento processual posterior. Por outro lado, porque se trata de uma questão suscitada pela primeira vez em sede de recurso e não resulta da lei que a mesma seja de conhecimento oficioso. Por si só, qualquer destas duas razões é suficiente para vedar aquele conhecimento pelo tribunal ad quem.

A condenação da credora BBB em multa e indemnização por litigância de má-fé pressupõe a conclusão de que se verifica a divergência de valores alegada pelo recorrente. Ajuizar sobre se essa divergência se verifica implicaria conhecer a questão do montante do crédito por aquela reclamado, conhecimento esse que, como acabamos de ver, se encontra vedado ao tribunal ad quem. Consequentemente, aquela condenação não poderá ter lugar.

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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas a cargo do recorrente.

Notifique.

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Évora, 05.12.2024

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

(1.º adjunto)

(2.ª adjunta)

 


[1] Cfr. acórdãos do STJ de 20.05.2010 (Alberto Sobrinho), da RP de 06.11.2012 (Maria João Areias) e da RE de 19.12.2013 (Maria Cristina Cerdeira).


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