sábado, 23 de novembro de 2024

Decisão singular de 08.11.2024

Processo n.º 2824/22.9T8STR-G.E1

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Sumário:

1 – Inexiste fundamento legal para a condenação do credor que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 193.º do CIRE, apresente uma proposta de plano de insolvência, no pagamento das custas do processo de insolvência, ainda que esse plano não seja homologado.

2 – A tramitação a que dá lugar a apresentação, por quem para o efeito tenha legitimidade, de uma proposta de plano de insolvência, insere-se na marcha normal de um processo de insolvência, de forma alguma podendo ser considerada uma ocorrência estranha ao desenvolvimento normal da lide que deva ser tributada segundo os princípios que regem a condenação em custas.

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AAA e BBB, casados entre si, foram declarados insolventes.

Os credores CCC e DDD apresentaram uma proposta de plano de insolvência, admitida e aprovada nos termos dos artigos 207.º, 211.º e 212.º do CIRE.

Requereram a não homologação do plano de insolvência o credor Sociedade 1, o Ministério Público em representação da Autoridade Tributária e Aduaneira e os insolventes. O credor Instituto da Segurança Social, I.P., requereu que o plano de insolvência fosse declarado ineficaz em relação a si.

Os credores CCC e DDD exerceram o contraditório.

O tribunal a quo recusou oficiosamente a homologação do plano de insolvência, nos termos do artigo 215.º do CIRE. Nessa decisão, o tribunal a quo condenou os credores CCC e DDD no pagamento das custas, nos termos do artigo 527.º do CPC.

Os credores CCC e DDD interpuseram recurso de apelação da decisão mediante a qual o tribunal a quo recusou oficiosamente a homologação do plano de insolvência, restrito ao segmento relativo à condenação em custas, tendo formulado conclusões que assim se sintetizam:

1 – Carece de fundamento legal a atribuição de responsabilidade por custas a um credor que exerça o seu direito de apresentar uma proposta de plano de insolvência;

2 – Ainda que tal responsabilidade existisse, nunca poderia ter por objecto as custas da totalidade do processo, desde logo porque violaria o princípio constitucional da proporcionalidade;

3 – O exercício, por um credor, do direito de apresentar uma proposta de plano de insolvência, não dá origem a um incidente processual.

Atenta a simplicidade das questões suscitadas, o recurso será decidido nos termos previstos nos artigos 652.º, n.º 1, al. c), e 656.º do CPC.

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A primeira questão que se coloca é a da interpretação do trecho da decisão recorrida relativa à condenação dos recorrentes no pagamento de custas. É ele o seguinte: «Custas pelos credores CCC e DDD (art. 527.º, do CPC).» O tribunal a quo teve em vista as custas globais do processo, ou, em vez disso, considerou que a apresentação de um plano de insolvência, pelos recorridos, deu origem a um incidente processual tributável?

Os recorrentes baseiam as suas alegações no pressuposto de que o tribunal a quo teve em vista as custas globais do processo. A referência, no citado segmento da decisão recorrida, às «custas», sem mais, inculca que esse pressuposto é correcto. Confirmam-no, quer a ausência de referência ao disposto no n.º 2 do artigo 1.º e nos n.ºs 4 e 8 do artigo 7.º do Regulamento das Custas Processuais, quer o teor do parágrafo anterior da mesma decisão, que é o seguinte: «Valor da acção para efeitos de custas: valor do activo, nos termos do disposto no artigo 301.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa».

Tal como os recorrentes sustentam, com a concordância do Ministério Público nas suas doutas contra-alegações, inexiste fundamento legal para a condenação do credor que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 193.º do CIRE, apresente uma proposta de plano de insolvência, no pagamento das custas do processo, ainda que o plano não seja homologado. O artigo 527.º do CPC, invocado na decisão recorrida, não suporta tal condenação, pois o credor que se encontre naquelas circunstâncias não pode ser considerado parte vencida no processo de insolvência. Em vez dessa norma, deverá aplicar-se o disposto no artigo 304.º do CIRE, de acordo com o qual as custas do processo de insolvência são encargo da massa insolvente ou do requerente, consoante a insolvência seja ou não decretada por decisão com trânsito em julgado.

Portanto, se, como tudo indicia, o tribunal a quo pretendeu condenar os recorrentes no pagamento das custas globais do processo, a decisão recorrida terá de ser revogada nessa parte.

Se, em vez disso, o tribunal a quo pretendeu condenar os recorrentes no pagamento das custas de um suposto incidente processual gerado pela apresentação de uma proposta de plano de insolvência, também tal condenação carece de fundamento legal.

Importa ter em consideração os já citados n.ºs 2 do artigo 1.º e 8 do artigo 7.º do Regulamento das Custas Processuais, que estabelecem, respectivamente, que, para os efeitos nele previstos, se considera como processo autónomo cada acção, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corra ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria, e que se consideram procedimentos ou incidentes anómalos as ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributados segundo os princípios que regem a condenação em custas.

Decorre dos artigos 192.º a 222.º do CIRE que a tramitação a que dá lugar a apresentação, por quem para o efeito tenha legitimidade, de uma proposta de plano de insolvência, se insere na marcha normal de um processo de insolvência, de forma alguma podendo ser considerada uma ocorrência estranha ao desenvolvimento normal da lide que deva ser tributada segundo os princípios que regem a condenação em custas. Está em causa, simplesmente, uma regulação específica do pagamento dos créditos sobre a insolvência, da liquidação da massa insolvente e sua repartição pelos titulares daqueles créditos e pelo devedor e da responsabilidade deste depois de findo o processo de insolvência, diversa daquela que é prevista no CIRE. Em vez de se proceder nos exactos termos estabelecidos no CIRE, estabelece-se, naquelas matérias, um regime específico para a insolvência em questão. Nada mais que isso.

Sendo assim, a apresentação, por quem para o efeito tenha legitimidade, de uma proposta de plano de insolvência, não constitui um incidente tributável.

Concluindo, qualquer que seja a interpretação que se faça do segmento da decisão recorrida mediante a qual o tribunal a quo condenou os recorrentes no pagamento das custas, tal condenação carece de fundamento legal. Consequentemente, o recurso deverá ser julgado procedente, revogando-se aquele segmento da decisão recorrida.

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Dispositivo:

Pelo exposto, julgo o recurso procedente, revogando a decisão recorrida na parte em que condenou os recorrentes no pagamento das custas.

Custas a cargo da massa insolvente (artigo 304.º do CIRE).

Notifique.

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08.11.2024

Vítor Sequinho dos Santos


Acórdão da Relação de Évora de 30.01.2025

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