Processo n.º 2824/22.9T8STR-G.E1
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Sumário:
1 – Inexiste fundamento
legal para a condenação do credor que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo
193.º do CIRE, apresente uma proposta de plano de insolvência, no pagamento das
custas do processo de insolvência, ainda que esse plano não seja homologado.
2 – A tramitação a que dá
lugar a apresentação, por quem para o efeito tenha legitimidade, de uma
proposta de plano de insolvência, insere-se na marcha normal de um processo de
insolvência, de forma alguma podendo ser considerada uma ocorrência estranha ao desenvolvimento
normal da lide que deva ser tributada segundo os princípios que regem a
condenação em custas.
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AAA e BBB, casados entre si,
foram declarados insolventes.
Os credores CCC e DDD
apresentaram uma proposta de plano de insolvência, admitida e aprovada nos
termos dos artigos 207.º, 211.º e 212.º do CIRE.
Requereram a não homologação
do plano de insolvência o credor Sociedade 1, o Ministério Público em
representação da Autoridade Tributária e Aduaneira e os insolventes. O credor
Instituto da Segurança Social, I.P., requereu que o plano de insolvência fosse
declarado ineficaz em relação a si.
Os credores CCC e DDD
exerceram o contraditório.
O tribunal a quo recusou oficiosamente a
homologação do plano de insolvência, nos termos do artigo 215.º do CIRE. Nessa
decisão, o tribunal a quo condenou os
credores CCC e DDD no pagamento das custas, nos termos do artigo 527.º do CPC.
Os credores CCC e DDD
interpuseram recurso de apelação da decisão mediante a qual o tribunal a quo recusou oficiosamente a
homologação do plano de insolvência, restrito ao segmento relativo à condenação
em custas, tendo formulado conclusões que assim se sintetizam:
1 – Carece de fundamento legal a
atribuição de responsabilidade por custas a um credor que exerça o seu direito
de apresentar uma proposta de plano de insolvência;
2 – Ainda que tal responsabilidade
existisse, nunca poderia ter por objecto as custas da totalidade do processo,
desde logo porque violaria o princípio constitucional da proporcionalidade;
3 – O exercício, por um credor, do
direito de apresentar uma proposta de plano de insolvência, não dá origem a um
incidente processual.
Atenta a simplicidade das
questões suscitadas, o recurso será decidido nos termos previstos nos artigos
652.º, n.º 1, al. c), e 656.º do CPC.
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A primeira questão que se
coloca é a da interpretação do trecho da decisão recorrida relativa à
condenação dos recorrentes no pagamento de custas. É ele o seguinte: «Custas pelos credores CCC e DDD (art.
527.º, do CPC).» O tribunal a quo
teve em vista as custas globais do processo, ou, em vez disso, considerou que a
apresentação de um plano de insolvência, pelos recorridos, deu origem a um
incidente processual tributável?
Os recorrentes baseiam as
suas alegações no pressuposto de que o tribunal a quo teve em vista as custas globais do processo. A referência, no
citado segmento da decisão recorrida, às «custas»,
sem mais, inculca que esse pressuposto é correcto. Confirmam-no, quer a
ausência de referência ao disposto no n.º 2 do artigo 1.º e nos n.ºs 4 e 8 do
artigo 7.º do Regulamento das Custas Processuais, quer o teor do parágrafo
anterior da mesma decisão, que é o seguinte: «Valor da acção para efeitos de custas: valor do activo, nos termos do
disposto no artigo 301.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa».
Tal como os recorrentes
sustentam, com a concordância do Ministério Público nas suas doutas
contra-alegações, inexiste fundamento legal para a condenação do credor que, ao
abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 193.º do CIRE, apresente uma proposta de
plano de insolvência, no pagamento das custas do processo, ainda que o plano
não seja homologado. O artigo 527.º do CPC, invocado na decisão recorrida, não suporta
tal condenação, pois o credor que se encontre naquelas circunstâncias não pode
ser considerado parte vencida no processo de insolvência. Em vez dessa norma,
deverá aplicar-se o disposto no artigo 304.º do CIRE, de acordo com o qual as
custas do processo de insolvência são encargo da massa insolvente ou do
requerente, consoante a insolvência seja ou não decretada por decisão com
trânsito em julgado.
Portanto, se, como tudo
indicia, o tribunal a quo pretendeu
condenar os recorrentes no pagamento das custas globais do processo, a decisão
recorrida terá de ser revogada nessa parte.
Se, em vez disso, o tribunal
a quo pretendeu condenar os
recorrentes no pagamento das custas de um suposto incidente processual gerado
pela apresentação de uma proposta de plano de insolvência, também tal
condenação carece de fundamento legal.
Importa ter em consideração
os já citados n.ºs 2 do artigo 1.º e 8 do artigo 7.º do Regulamento das Custas
Processuais, que estabelecem, respectivamente, que, para os efeitos nele
previstos, se considera como
processo autónomo cada acção, execução, incidente, procedimento cautelar ou
recurso, corra ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma
tributação própria, e que se consideram procedimentos ou incidentes anómalos as
ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser
tributados segundo os princípios que regem a condenação em custas.
Decorre dos artigos 192.º a 222.º
do CIRE que a tramitação a que dá lugar a apresentação, por quem para o efeito
tenha legitimidade, de uma proposta de plano de insolvência, se insere na
marcha normal de um processo de insolvência, de forma alguma podendo ser
considerada uma ocorrência
estranha ao desenvolvimento normal da lide que deva ser tributada segundo os
princípios que regem a condenação em custas. Está em causa, simplesmente, uma
regulação específica do pagamento dos créditos sobre a insolvência, da
liquidação da massa insolvente e sua repartição pelos titulares daqueles
créditos e pelo devedor e da responsabilidade deste depois de findo o processo
de insolvência, diversa daquela que é prevista no CIRE. Em vez de se proceder
nos exactos termos estabelecidos no CIRE, estabelece-se, naquelas matérias, um
regime específico para a insolvência em questão. Nada mais que isso.
Sendo assim, a apresentação,
por quem para o efeito tenha legitimidade, de uma proposta de plano de
insolvência, não constitui um incidente tributável.
Concluindo, qualquer que
seja a interpretação que se faça do segmento da decisão recorrida mediante a
qual o tribunal a quo condenou os
recorrentes no pagamento das custas, tal condenação carece de fundamento legal.
Consequentemente, o recurso deverá ser julgado procedente, revogando-se aquele
segmento da decisão recorrida.
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Dispositivo:
Pelo exposto, julgo o
recurso procedente, revogando a decisão recorrida na parte em que condenou os
recorrentes no pagamento das custas.
Custas a cargo da massa
insolvente (artigo 304.º do CIRE).
Notifique.
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08.11.2024
Vítor Sequinho dos Santos