Processo n.º 1169/20.3T8STR-B.E1
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Sumário:
O valor a excluir do rendimento disponível nos termos do artigo 239.º,
n.º 3, al. b), ponto i), do CIRE, não tem de coincidir com o das despesas que o
devedor suportava antes de ser declarado insolvente ou, sequer, antes do início
do período da cessão, antes devendo cingir-se ao que for razoavelmente
necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado
familiar.
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AR apresentou-se à insolvência, nos termos dos artigos 18.º e seguintes
do CIRE, tendo, então, requerido a exoneração do passivo restante nos termos
dos artigos 235.º e seguintes do mesmo código.
Por sentença proferida em 21.05.2020, foi declarada a insolvência.
Em 21.01.2021, foi proferido o despacho inicial de exoneração do passivo
restante, no qual se decidiu, na parte que interessa para o conhecimento do
recurso, que “durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo, o
rendimento disponível (conforme artigo 239.º, n.º 3, do Código da Insolvência e
da Recuperação de Empresas) que venha a ser auferido se considera cedido, com
exclusão do razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do
agregado familiar (sem exceder três vezes o salário mínimo nacional), que,
neste momento, se fixa no valor equivalente a 1,50 do salário mínimo nacional.”
O insolvente não se conformou com o
segmento do
despacho inicial de exoneração do passivo restante a cuja transcrição
procedemos, tendo
interposto o presente recurso, com as seguintes conclusões:
1 – Salvo o devido respeito, o segmento
do despacho recorrido que determinou a fixação do rendimento disponível em 1,5
vezes o salário mínimo nacional viola o disposto no artº 239º do CIRE, pelo que
o despacho recorrido incorreu em erro de julgamento.
Senão vejamos.
2 – Considerando todas as despesas (que
não as expressamente afastadas pelo despacho recorrido) indicadas pelo
recorrente como “aceites” pelo tribunal a
quo, um raciocínio meramente aritmético permite concluir que a soma das
mesmas ascende a € 1.234,66.
3 – Não existindo qualquer outra
explicação vislumbrável na fundamentação do despacho recorrido para a
desconsideração de outras despesas, é manifesto que o tribunal a quo cometeu um erro de julgamento,
pelo que o despacho recorrido deve ser revogado neste segmento, fixando-se o
rendimento disponível do recorrente em € 1.234,66.
Acresce que,
4 – Posto que não existe justificação
para desconsiderar certos factos alegados e provados documentalmente pelo
recorrente, e tendo o tribunal a quo
indicado expressamente as despesas que não havia considerado para efeitos de
fixação do rendimento disponível, só se pode concluir que, ao fixar o
rendimento disponível sem atender ao somatório das despesas que não excluiu,
este excedeu manifestamente a margem de discricionariedade de que dispõe, pelo
que o despacho recorrido incorreu em erro de julgamento.
5 – É facto público, pacífico e notório
que as habitações em Portugal padecem de uma série deficiência na conservação
de energia, o que causa um problema acrescido à população quando as
temperaturas descem (em particular no Inverno) (...).
6 – A título de mero exemplo num dos
artigos noticiosos supra indicados, indica-se como custo médio de uma forma de
aquecimento de uma casa € 8/dia, e tomando tal custo como referência, o custo
médio de aquecer uma casa ascende a € 240 mensais.
7 – As despesas de aquecimento integram
o universo daquelas necessárias ao sustento minimamente digno do devedor e do
seu agregado familiar, pelo que o despacho recorrido, ao não considerar as
despesas indicadas pelo recorrente nessa rubrica (€ 300) incorreu em erro de
julgamento.
E, em qualquer caso,
8 – Mesmo que não se considerasse o
valor de € 300 mensais indicados pelo recorrente, sempre teria de se considerar
o valor de € 60 mensais como o montante mínimo a acrescentar ao rendimento
disponível, o que não foi feito pelo tribunal a quo.
9 – Considerando os valores indicados
nas conclusões supra, o rendimento disponível a fixar ascende a € 1.534,66 (€ 1.234,66
+ € 300 de despesas de aquecimento) ou, caso assim não se entenda, em € 1.294,66
(€ 1.234,66 + €60 de despesas de aquecimento), pelo que, deve ser revogado o
segmento do despacho recorrido que fixou o rendimento disponível do recorrente
em 1,5 vezes o salário mínimo nacional, fixando-se um dos valores acima
referidos.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido, com subida em
separado e efeito meramente devolutivo.
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A única questão a resolver
consiste em saber se o valor excluído do rendimento disponível nos termos do artigo 239.º, n.º
3, al. b), ponto i), do CIRE, deverá ser aumentado até ao valor de €
1.534,66 por mês.
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O tribunal a quo julgou
provados os seguintes factos:
1 – Por sentença datada de 21.05.2020, transitada em julgado, foi declarada
a insolvência do recorrente, no seguimento de apresentação à insolvência;
2 – O agregado familiar é composto exclusivamente pelo recorrente;
3 – O recorrente aufere uma remuneração mensal ilíquida de € 3.172,91,
enquanto professor dos 2.º e 3.º ciclos e secundário;
4 – O recorrente despende € 500,00 com a prestação da renda da habitação,
possui gastos com o fornecimento de energia eléctrica, água, gás e
telecomunicações, que se computam em sensivelmente € 200,00, a que acrescem as
despesas com alimentação, vestuário, saúde, transporte e veterinário;
5 – O recorrente nunca beneficiou de exoneração do passivo restante;
6 – O recorrente não tem antecedentes criminais;
7 – Foram reconhecidos créditos da responsabilidade do recorrente que
ascendem a € 216.123,94.
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O recorrente insurge-se contra o despacho recorrido na parte em que este
determinou que o valor excluído do rendimento disponível nos termos do artigo
239.º, n.º 3, al. b), ponto i), do CIRE, coincida com o de um salário mínimo
nacional e meio. Pretende o recorrente que tal valor passe a ser de € 1.534,66 ou, quando menos, de €
1.294,66 por mês.
A argumentação sintetizada nas
conclusões 1.ª a 3.ª assenta numa errada interpretação do despacho recorrido.
Neste, o tribunal a quo não “aceitou”
as despesas que o recorrente afirma terem-no sido, no sentido de considerar que
o montante excluído
do rendimento disponível nos termos do artigo 239.º, n.º 3, al. b), ponto i),
do CIRE, deverá ser suficiente para que o recorrente possa continuar a
suportá-las durante o período da cessão. O tribunal a quo considerou, logo à partida, que algumas das despesas
invocadas não ocorrem todos os meses e outras são supérfluas, mas não deixando
de salientar, numa abordagem genérica da questão, que a cessão do rendimento disponível deve
representar um verdadeiro sacrifício, não podendo resvalar para indulgentemente
beneficiar o recorrente em desfavor dos credores, que não é legítimo pedir
perdões de dívida do mesmo passo que se não oferecem os sacrifícios necessários
e proporcionais para tanto e que se exige ao recorrente que diminua globalmente
o seu padrão de vida de molde a adequar-se ao procedimento de exoneração do
passivo restante.
Portanto, o raciocínio, feito pelo recorrente, segundo o qual, ao fixar em
menos de € 1.234,66 o valor excluído do
rendimento disponível nos termos do artigo 239.º, n.º 3, al. b), ponto i), do
CIRE, o tribunal a quo cometeu
um erro de julgamento, carece de fundamento. Aquilo que resulta da
fundamentação do despacho recorrido é que é exigível, ao recorrente, um esforço
no sentido de reduzir o conjunto das suas despesas, nomeadamente eliminando
algumas delas, de forma a conseguir subsistir com um valor mensal equivalente a
um salário mínimo nacional e meio. Daí o tribunal a quo ter fixado este valor como sendo o razoavelmente necessário para o sustento
minimamente digno do recorrente.
Na argumentação sintetizada nas conclusões 4.ª a 9.ª, o recorrente
continua a partir de um pressuposto errado: o de que, durante o período da
cessão, deverá ser salvaguardado o nível de vida que o devedor tinha
anteriormente, fixando-se o valor excluído do rendimento disponível nos termos
do artigo 239.º, n.º 3, al. b), ponto i), do CIRE, no necessário para manter
esse nível de vida (ou seja, para suportar o mesmo nível de despesas) e destinando-se
ao pagamento aos credores apenas a parte do rendimento do devedor eventualmente
sobrante.
Importa considerar que na hipótese de, no final do período da cessão, ser
concedida ao devedor a exoneração do passivo restante, nos termos do artigo
245.º do CIRE, as dívidas de que ele assim se liberta ficarão por pagar, total
ou parcialmente, com o inerente prejuízo para os credores. Sendo assim, é
exigível ao devedor que faça sacrifícios, com vista a minorar, na medida do
possível, aqueles que são impostos aos titulares dos direitos de crédito
atingidos pela exoneração do passivo restante. Os sacrifícios têm de ser feitos
por ambos os lados.
É esta a razão de ser do critério estabelecido pelo artigo 239.º, n.º 3,
al. b), ponto i), do CIRE. O valor excluído do rendimento disponível não deverá
coincidir com o das despesas que o devedor suportava antes de ser declarado
insolvente ou, sequer, antes do início do período da cessão. Esse valor deverá
cingir-se ao que for razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno
do devedor e do seu agregado familiar, sendo normal que tal implique um esforço,
por parte do devedor, de reorganização da sua vida no sentido de reduzir as
suas despesas até àquele mínimo.
A ponderação do que seja, em cada caso concreto, o montante necessário
para assegurar o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado
familiar deve, pois, ter em conta, não só as necessidades do devedor e do seu
agregado familiar, mas também a legítima expectativa dos credores de verem os
seus direitos satisfeitos, em toda a medida do possível, durante o período da
cessão. A exoneração do passivo restante não pode redundar num perdão
generalizado das dívidas do insolvente sem esforço para este. O equilíbrio
entre os interesses dos credores e do devedor impõe que, ao sacrifício que o
processo de insolvência e a exoneração do passivo restante acarretam para os primeiros,
corresponda um efectivo esforço, por parte do segundo, no sentido de reduzir as
suas despesas e as do seu agregado familiar em toda a medida do possível, até
atingir o limite mínimo imposto pela salvaguarda da dignidade da pessoa humana.
Nomeadamente, o devedor não pode ter a expectativa de, durante o período da
cessão, manter o nível de vida a que ele e o seu agregado familiar estavam
habituados antes da declaração de insolvência.
No caso dos autos, tendo em conta que o agregado familiar do recorrente é
constituído exclusivamente por si próprio e que, em contraponto e como
justamente se salientou no despacho recorrido, há que salvaguardar as despesas
inerentes à actividade profissional daquele, consideramos, secundando o
tribunal a quo, que o valor de um
salário mínimo nacional e meio corresponde ao razoavelmente necessário para o
sustento minimamente digno do recorrente, nos termos do artigo 239.º, n.º 3,
al. b), ponto i), do CIRE. Consequentemente, o despacho recorrido deverá ser
confirmado, improcedendo o recurso.
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Dispositivo:
Delibera-se, pelo
exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se o despacho recorrido.
Custas
a cargo do recorrente.
Notifique.
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Évora, 17.06.2021
Vítor
Sequinho dos Santos (relator)
1.º
adjunto
2.º
adjunto