Processo n.º 1545/12.5TBCTX-T.E1
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Sumário:
Não
é admitida a dedução de embargos de terceiro relativamente à apreensão de bens
realizada em processo de insolvência.
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Nos
autos de liquidação que correm por apenso aos de insolvência de E., S.A.,
vieram, em petições autónomas, FE e LL deduzir, contra a massa insolvente,
oposição mediante embargos de terceiro a título preventivo, ao abrigo do
disposto nos artigos 342.º e 350.º do Código de Processo Civil e 1285.º do
Código Civil.
A
FE
alegou, em síntese, que é proprietária de 9/10 e promitente compradora de 1/10 da
fracção autónoma identificada pela letra B do prédio sito na Rua (…), n.º 15,
1.º andar, em Lisboa, que tem a posse total dessa fracção e que essa posse
poderá vir a ser ofendida pela eventual resolução a favor da massa insolvente e
entrega da fracção. Concluiu pedindo que seja suspensa a resolução em benefício
da massa insolvente e, até lá, seja reconhecido, a seu favor, o direito de
retenção sobre a mesma fracção, conforme consignado na cláusula 4.ª do
contrato-promessa.
LL
alegou, em síntese, que é promitente compradora da fracção autónoma
identificada pela letra C do prédio sito na Rua (…), n.ºs 9 a 9F, correspondente ao 1.º andar
direito com parqueamento e arrecadação na 3.ª cave, em Lisboa, freguesia do
Lumiar, na qual habita, sendo promitente-vendedora a sociedade insolvente; a
celebração do contrato-promessa de compra e venda foi precedida da de um
contrato de arrendamento urbano para fins habitacionais com opção de compra; ao
contrário daquilo a que se encontrava vinculada, a sociedade insolvente nunca
procedeu ao agendamento da escritura de compra e venda; em face disso, a
embargante marcou, ela própria, essa escritura, à qual a promitente vendedora,
apesar de notificada, não compareceu; as partes atribuíram eficácia real ao
contrato-promessa e estipularam a possibilidade de execução específica; a
eventual resolução a favor da massa insolvente ofenderia gravemente os direitos
da embargante; caso se concretize a entrega da fracção, isso frustraria
irremediavelmente a função preventiva dos embargos de terceiro. Concluiu
pedindo que seja suspensa a resolução em benefício da massa insolvente e, até lá,
seja reconhecido, a seu favor, o direito de retenção sobre a fracção em causa.
Foi
proferido despacho de indeferimento liminar de ambas as petições de embargos de
terceiro com fundamento na inadmissibilidade legal destes devido ao disposto no
artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil.
Ambas
as embargantes interpuseram recurso de apelação deste despacho.
As
conclusões de ambas as recorrentes são as seguintes:
A –
Por sentença datada de 04/12/2020, mas só patente na plataforma CITIUS em
10/10/2020, a Meritíssima Juíza do Tribunal a
quo indeferiu liminarmente os embargos de terceiro, com função preventiva,
apresentados pela Recorrente.
B –
Não pode a Recorrente conformar-se com esta sentença, por o Tribunal a quo continua a pactuar com toda a
ilegalidade desta insolvência, obtida por métodos pouco claros, pois por uma
dívida de tostões foi arrebanhado um património de milhões, sendo a Recorrente
uma das prejudicadas pelo todo este processo.
C – Ao
evocar o Art.º 342.º, n.º 2, do CPC, para indeferir a petição, o Tribunal
recorrido está, com todo o respeito, a errar, pois este preceito só se refere à
declaração da própria insolvência.
D –
Todo o articulado do CIRE oferece, a quem se sentir prejudicado pela
insolvência, a possibilidade de sindicar a mesma.
E –
Assim, Art.º 106, n.º 1, idem CIRE: “…no caso de insolvência do
promitente-vendedor, o administrador da insolvência não pode recusar o
cumprimento de contrato promessa com eficácia real, se já tiver havido tradição
da coisa a favor do promitente-comprador…”.
F –
Bem como Art. n.º 102º, nº 1, que “…em qualquer contrato bilateral em que, à
data da declaração de insolvência, não haja ainda total cumprimento nem pelo insolvente
nem pela outra parte, o cumprimento fica suspenso até que o administrador da
insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento…”.
G -
Acresce, que o Art.º 830.º, n.º 1, do CC, configura “… se alguém se tiver
obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra
parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os
efeitos da declaração negocial do faltoso…”.
H –
Pelo que Meritíssima Juíza a quo
deveria ter apreciado o mérito da petição e não o seu indeferimento liminar,
metendo dois embargantes, com objectos diferentes, no mesmo saco, com evidente
denegação de justiça.
Nestes
Termos e nos mais de Direito que doutamente serão supridos, deve a sentença do
Tribunal a quo que considerou
improcedente o embargo de terceiro com função preventiva, ser revogada por
contrária aos princípios legais e não estar devidamente fundamentada.
Não
foram apresentadas contra-alegações.
Os
recursos foram admitidos, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.
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Como
anteriormente referimos, ambas as recorrentes deduziram, contra a massa
insolvente, embargos de terceiro com função preventiva, ao abrigo do disposto
nos artigos 342.º e 350.º do Código de Processo Civil e 1285.º do Código Civil.
O
artigo 342.º, n.º 2, do CPC, estabelece que não é admitida a dedução de
embargos de terceiro relativamente à apreensão de bens realizada no processo de
insolvência.
Através
da dedução dos presentes embargos de terceiro, as recorrentes visam fazer valer
direitos alegadamente incidentes sobre bens que foram apreendidos no processo
de insolvência da sociedade E.,
S.A..
É, pois, evidente que, devido ao disposto no citado artigo 342.º, n.º 2, do
CPC, a dedução dos referidos embargos de terceiro é inadmissível, tal como
decidiu o tribunal a quo.
Contra
este entendimento, os recorrentes argumentam que o artigo 342.º, n.º 2, do CPC,
“só se refere à declaração de insolvência, e não aos actos subsequentes a
esta”. Este argumento não faz sentido. A norma em causa refere-se expressamente
à apreensão de bens realizada no processo de insolvência, apreensão essa que
constitui um efeito da declaração de insolvência e é, logicamente, um acto a
esta subsequente (artigo 149.º, n.º 1, do CIRE).
Portanto,
o meio processual utilizado pelos recorrentes para reagirem contra a apreensão
de bens no processo de insolvência é expressamente proibido por lei. Todos os
argumentos de natureza substantiva invocados pelos recorrentes ficam, assim,
prejudicados, pois a sua discussão pressuporia a admissibilidade da dedução de
embargos de terceiro.
Concluindo,
improcedem os recursos interpostos.
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Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto, julgar os recursos improcedentes,
confirmando-se o despacho recorrido.
Custas
pelos recorrentes, sem prejuízo do decidido em matéria de apoio judiciário.
Notifique.
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Évora, 17.06.2021
Vítor
Sequinho dos Santos (relator)
1.º
adjunto
2.º adjunto